Cadê o nível?

Luis Fernando Veríssimo escreveu que viajar lhe enche o cérebro de idéias. Por minha conta, acrescento que é uma fonte riquíssima de conhecimento e aprendizado. Basta pisarmos os pés alguns quilômetros longe do nosso habitat natural, para experimentarmos sensações inéditas ao que a nossa mente está comumente habituada.

Sempre que tenho a oportunidade de fazer uma viagem, aproveito cada segundo de tudo o que os meus olhos vêem, e transformam em sensações. Desisti de levar papel e caneta para anotar os detalhes com precisão. Aprendi a guardar cada imagem ou acontecimento em minha mente e sou capaz de rebuscá-lo sempre que desejo, revolvendo cada instante, trazendo-o para o tempo real.

É a imagem de duas senhoras, ornadas por roupas e acessórios coloridos, que me vêm à memória neste instante. Sentadas em suas poltronas de veludo confortáveis, saboreando sua refeição muito próximas de mim e do meu grupo, composto de vinte pessoas. Todos “embriagados” de satisfação por conta da viagem deixávamos o “porre” de felicidade transparecer nos olhos, nas conversas e nos risos soltos.

Entre uma pausa e outra de nossa euforia, pude ouvir com nitidez, uma das damas rechonchudas dizendo: “Como se comportam mal estas pessoas, certamente não possuem nível para estar neste Cruzeiro”.

Neste momento, senti como se uma poção encolhedora tivesse sido jogada sobre a minha cabeça e me tornado, de repente, miseravelmente pequenina. É inevitável que ao sermos nocauteados por comentários negativos como este, acabemos estirados na lona por alguns minutos. Mas é só o tempo necessário para respirar fundo, levantar e mirar o adversário com olhos de: “Vai encarar?”.

Pois bem, no exato momento em que proferiram o infeliz comentário, as matronas senhoras de óculos sobre a ponta do nariz, passaram a ser o alvo número 1, da atenção do meu grupo, que intimamente tinha o desejo de perder o nível de vez e encher aqueles ouvidos apurados e finos de poucas e boas verdades. Porém reafirmei em pouco tempo, a sábia teoria: “A vingança é um prato que se come frio”.

Lá pelas tantas, uma das senhoras descuidou-se do nível e acabou desabando sonolenta sobre a mesa, agarrada na haste da taça onde suavemente balançava o que sobrou do vinho rosê. Não sei precisar por quanto tempo o sono da madame, rolou solto no repleto salão. Tão pouco consigo explicar o descaso da amiga, que não tomou iniciativa de desfazer a cena hilária, que se sucedia ali. Mas devo confessar que, neste momento minha mente conflitada descobriu que, ter ou não ter nível, pode ser um grande equívoco.

Para resumir, as duas senhoras de suposto nível elevado, passaram o resto da viagem dormindo como anjos de boquinhas abertas e ressonantes por todos os salões ali existentes. Só encontramos uma razão para tamanha perda de nível: O Dramin.

O fato é que comprovei pela enésima vez que certas teorias têm se afirmado como desnecessárias, ridículas e inconsistentes. Esta, sobre este tal de NÍVEL, é uma delas. Independente da profissão, do título, da vestimenta de cada um de nós, o único nível que teve relevância naquela viagem, indiscutivelmente foi o de prazer e felicidade que os nossos corações atingiram. Rotular pessoas é um vício lamentável. Censurar pessoas é um costume deprimente.

Desta inesquecível viagem, trouxe uma certeza na bagagem: Para navegar nas emocionantes águas da vida não dá pra manter o nível. É preciso sim, “cambalear” para ser feliz.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 10/02/2009
Reeditado em 10/02/2009
Código do texto: T1431443