Carnavais...
                   
de um saudosista assumido

                        É crença minha que,  no dia
                       que deus Momo for de todo
                       exilado deste mundo, o 
                       mundo acaba.
                                    Machado de Assis 

          Salvador - que tem o mais longo e permissivo carnaval do planeta - já dorme e acorda ao som dos pandeiros, tamborins e atabaques. Atabaques? Estranho, né?
          Suas principais estrelas - Daniela, Margareth, Ivete, Bel Marques, Brown, Durval Lelis e Claudia Leitte, recém-parida  - ocupam as primeiras páginas dos jornais.
          Tem abadá para todos os gostos e de todos os preços. 
          Andar no centro da cidade, e da Barra a Ondina, é um tremendo sufoco: armam-se camarotes em tudo o que é buraco. 
          Sem dúvida, a folia já começou na canora terra do Senhor do Bonfim.

          Aqui pra nós: se eu tivesse grana, a esta altura do campeonato eu já estaria pra lá do Nepal; e levando comigo meu canário belga, dono absoluto da minha varanda, com seu gorjeio encantador e a qualquer hora.
          Os leitores já devem ter percebido que sou de outros carnavais, embora nunca tenha sido aqueeeele folião. Dei meus pulinhos, é verdade, mas sem exagerar. 
          Sempre fui mais do bolero do que da marchinha carnavalesca. Todavia, conheço e assobio aquelas que considero inesquecíveis, porque irretocáveis. 
          Posso até citar algumas: Linda Lourinha, Bandeira branca, Máscara negra, Tomara que chova, Aurora, Sassaricando, Lambretinha e Serpentina, esta magistralmente interpretada pelo saudoso Nelson Gonçalves. 
           Quando quero homenagear Chiquinha Gonzaga,  assobio Ó abre alas!

          
Não esquecer, por favor, que vivi muitos anos no seminário. Longe, portanto, da folia momina. 
          Até estranhei quando li, que ao criar, com a ajuda do papa Gregório I (590-604) a Quaresma, a Igreja católica instituiu o carnaval. Com calma, fui constatando que a história não mentia!
           Assim, enquanto o mundo, entregue ao reinado de Momo se esbaldava, eu rezava. Fazia retiro. 
           Rezava, segundo me diziam, pelos pecadores que, durante o tríduo momesco, pecavam ainda mais...
          Só quase um ano e pouco depois de deixar os claustro franciscanos é que vim conquistar minhas primeiras colombinas. E era aquela paixão... Embora, não nego, as esquecesse, logo no início da Quaresma. 
          Meus primeiros anos de vida "profana", ou seja, fora do seminário, curti-os em Fortaleza.
          Em Fortaleza arranjei a primeira namorada e "conheci" a primeira mulher...
          Como não gostava do carnaval de rua, nunca fiz parte dos seus famosos Maracatus. Mas os via desfilar na Duque de Caxias, para onde, no carnaval, acorria o Ceará folião.
          Preferia o carnaval dos clubes. Naquela época, idos de 1952, Fortaleza destacava-se pela opulência dos seus clubes sociais, em especial o Náutico Atlético Cearense. 
          Entretanto, para estrear na folia, escolhi o simpático Maguari, que logo virou o meu clube preferido.  
          Clube de onde saiu a linda Emília Corrêa Lima, miss Brasil 1955, sucessora da baiana Marta Rocha.
          Lá, com certeza, pulei minhas primeiras marchinhas  carnavalescas.
          Se me não engano, uma delas começava assim: Tomara que chova/ três dias sem parar..., com Emilinha Borba.
          Em Salvador, onde desembarquei no final de 1957, também não cheguei a ser um devotado folião. 
          Frequentei algumas batalhas de confete. Mas, com o aparecimento da tal da Axé-music - que descaracterizou, de vez,  a autêntica música de carnaval da Bahia - caí fora. 
          Já disse e repito: as músicas do Axé são pré-fabricadas, sem inspiração, sem poesia, sem mensagens, sem saudade.
          Carecem da beleza do coração do poeta verdadeiro. 
          Não vou entrar, novamente, nessa polêmica. Fico por aqui.

No título desta crônica, me chamei de um saudosista assumido, quando o assunto é carnaval. 
         Tenho relevado a deus e ao mundo que sou mais, muito mais, os carnavais d´outrora. Aí vem aquela pergunta: eles eram melhores?
          Não partiria para um confronto, dizendo-os melhores. 
           Para ser elegante, diria que eram diferentes. Eram mais aconchegantes; deixavam imorredouras lembranças...
          A gente ficava preso, por muito tempo, em frágeis pedaços de serpentina, e mergulhado em confete, que Chico Alves cantou como um "Pedacinho colorido de saudade..."
          Quem foi daquele tempo, traz, na ponta da língua, a marchinha do Joubert de Carvalho, que diz:
          "Tai eu fiz tudo pra você gostar de mim/ Ai, meu bem, não faz assim comigo não/ Você tem, você tem que me dar seu coração..."
          Romantismo puro, amiga. 
          Mas o reinado das marchinhas terminou.  "Durou nada menos de quatro décadas , de 1920 a 1960" informa André Diniz, autor do Almanaque do Carnaval. 
        
Dou uma viagem à China, com tudo pago, e com direito a um ou uma acompanhante, a quem assobiar pelo menos um "sucesso" do último carnaval. 
          O carnaval moderno é mais rico e ganhou em  nudez, irreverência e incontinência, mas perdeu em lirismo; em romanço. 
          Em 1890, Olavo Bilac escrevia que o carnaval "não era mais nem menos do que isto: a apoteose da prostituição, da embriaguez e do descaramento".
          Imagine, amiga,  o que diria  o poeta das estrelas,  se através do seu pincenê,  acompanhasse a gandaia momina deste milênio.
          Não. Não chegarei a tanto. 
          O carnaval ainda tem seu lado sadio, divertido, honesto.
          Mas, cuidar, é preciso. 
          Evite-se o pior, voltando às marchinhas. O diabo é saber se, hoje, existem compositores do quilate, por exemplo, de um Braguinha, de um Mario Lago, de um David Nasser e de um Ary Barroso.
         Não se grilem, os mais jovens: isso é, apenas, um pálido anseio de um saudosista assumido. Nada mais do que isso.        
          

              
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 09/02/2009
Reeditado em 18/04/2009
Código do texto: T1430260