DE MINHAS LEMBRANÇAS...

Um galo cantou, um cachorro latiu, o guarda-noturno passou, pelo tom do apito em semínima e sem muita firmeza o imaginei apenas um noctívago, um vagueador de noite.

E lá sei foi o meu sono... Acendi o abajur, consultei o relógio, passava das duas da madrugada. Com o olhar, percorri o quarto e me detive na poltrona, onde, de forma displicente estava jogado um sutiã. Então me veio à lembrança o reclame da Valisére, aquele que dizia: o primeiro sutiã a gente nunca esquece. Esqueci o meu. Em compensação me recordo de coisas mais antigas; feito o primeiro chiclete que mastiguei e do primeiro chocolate que comi, “delicias americanas” trazidas dos States pelo meu irmão Geraldo. Idade a minha? Seis anos, salvo engano, e morava no Engenho Manimbu, de propriedade de meu pai.

Depois, muito depois, na sequência de gosto das coisas que eu bebi, comi pela primeira vez e não esqueci, lembro quando aos dezesseis anos ( e já usava sutiã) fui passar férias no Rio de Janeiro e tomei sorvete de creme com casquinha de chocolate da Kibon pela primeira vez, sei até onde foi: Av. Getúlio Vargas. Foi no Bob’s em Copacabana, que comi pela primeira vez, cachorro-quente com salsicha, ketchup e mostarda. Já em São Paulo, aos dezoito anos, numa excursão , experimentei margarina no pão, mortadela e soda limonada. (Confesso que gostei, Malu, principalmente da mortadela)

E agora me indago: o que eu estou sentindo é fome ou as minhas lembranças só se resumem nisso?

O galo já não canta, o cachorro já não late, o guarda já não apita. São cinco horas da manhã. Só os pardais gorjeiam. Uma outra lembrança me assalta...Rua Gonçalves Ledo, centro de Natal. O tempo, longínquo... só sei que nessa época eu dormia feito anjo e me era agradável acordar cedinho com o barulho do bonde passando em frente à praça Padre João Maria.

Hoje, se não consigo mais dormir feito anjo, paciência; peço silêncio aos pardais para apurar os ouvidos, fechar os olhos e acordada, daqui da Pedro Amorim, neste Barro Vermelho, que nas noites só falta aparecer lobisomem, sonhar com o barulho do bonde subindo cansado a ladeira do Baldo. Aí a distância não conta, pois como disse, estou sonhando acordada. E o bonde, que pena, já não existe...

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 08/02/2009
Reeditado em 08/02/2009
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