Despertar tardio.

A insatisfação é um combustível para o progresso, no entanto, também é uma das causas principais para nos colocar em encrencas. Digo isso, porque, lembrando da época em que morava numa pequena cidade do interior, onde tudo era extremamente chato, viver lá, parecia não ser muito diferente que a morte. As informações chegavam sempre atrasadas, as coisas boas aconteciam num mundo que se mostrava encantador, mas muito distante, e o mais próximo que dava para chegar era através da imagem cheia de chuvisco da TV em preto e branco. O rádio trazia a boa música, justamente na hora em que o “serviço” e as tarefas domésticas precisavam de atenção. As reuniões dançantes de final de semana, eram embaladas por um aparelho de som “três em um”, cuja potencia não alcançava um mp3 atual. Poderia enumerar mil coisas que me faziam odiar aquela cidade, que me prendia do mundo. Um mundo que insistia em me convidar para explorá-lo e ser feliz, obviamente que bem longe de lá. Enfim, não encontrava razões para não odiar aquele lugar; tudo o que via por lá me envergonhava.
Porém, com o passar dos anos percebi que tudo não passava de uma grande ilusão, um grande engano, uma gigantesca ignorância, uma total falta de auto-estima. Sim, auto-estima, pois não é o lugar que nos faz melhores, felizes e infelizes. A auto-estima vem de dentro, do nosso intimo. Quando acreditamos em nosso próprio potencial, o ambiente se torna um fator irrelevante e, neste caso, morar naquela pequena cidade, nada impedia que eu me tornasse uma pessoa melhor, mas, eu não conseguia perceber isso. Não seria a cidade grande, a capital que me faria alguém respeitável, melhor, mais humano e principalmente mais e verdadeiramente feliz. No entanto, eu desprezava aquele lugar, considerava-o inadequado, insuficiente e certamente impróprio para alcançar a minha felicidade.
Nossa! Como estava enganado. Não somente eu, mas todos os demais adolescentes e jovens que estudavam comigo. E foi só termináramos o ensino médio e todos, toda a turma, digo toda a turma, pois todos estudantes da cidade, podiam ser agrupados em uma única turma no curso técnico em contabilidade, arrumaram uma forma de partir. Muitos para a capital, e alguns, para qualquer outra cidade maior afinal, a vida, só pulsava na grande cidade.
Assim, cheio de razões, cheguei à cidade grande. Parecia que finalmente minha vida iria começar, não havia nada melhor que provar o gostinho da liberdade, e provar a todos aqueles retrógrados conservadores, que eu era um jovem responsável e com certeza mais sábio que todos eles. Quanta arrogância e prepotência, para não dizer imbecilidade. Porém, essas eram as minhas certezas para a época, eu tinha convicção de estar fazendo o certo, aliás, ainda são pensamentos e comportamentos típicos dos atuais jovens.No entanto, todos esses fatores que acompanharam a minha insatisfação, foram e ainda são para muitos jovens, necessários para que eu pudesse aprender e me tornar um ser humano melhor. Nenhuma critica ou arrependimento quanto a isso, obviamente que hoje não teria o mesmo comportamento e atitude, exceto o fato de ter cometido o erro de considerar a minha pequena cidade um local inadequado para alcançar um futuro melhor, pois apenas enxergava a felicidade no crescimento profissional. O que eu ainda não sabia era que sem crescimento pessoal não se sustenta o profissional e que, ao desprezar minha cidade, também estava desprezando as minhas coisas, em última análise eu mesmo.
Não há nada de errado em querer progredir, buscar novos horizontes, concretizar os sonhos, porém é possível alcançar tudo isso sem desvalorizar o que nos cerca. Pelo contrário, precisamos valorizar o que é nosso, além de valorizar-nos nos diferencia do mundo padronizado, o que se torna um diferencial importante. Quanto ao fato de ser do interior, que tanto me envergonhava, hoje se tornou um orgulho, um fator importante que me impulsiona nas horas difíceis.
Hoje, quando viajo para o interior e vejo muitas cidades parecidas com aquela onde cresci, fico emocionado, mas também muito preocupado. Preocupo-me, pois apesar de todo o progresso em todas as áreas, especialmente quanto ao acesso à informação e produtos industrializados de alta tecnologia, muitos jovens ainda cometem o mesmo erro que eu cometi há quase trinta anos. Obviamente que a essência humana, especialmente os jovens com seus hormônios em plena erupção, não avançam na mesma velocidade, contudo, confesso que é decepcionante ver tantos jovens dispersando as próprias origens, a própria cidade.
Não estou querendo utilizar a minha ignorância para justificar meus erros do passado, até mesmo porque, continuo lutando contra ela em muitas áreas da minha vida, quero apenas alertar, para que não ignores tuas origens, e principalmente que, ao desprezares tua cidade estarás desprezando um pouco de ti mesmo e isto não é nada bom. Espero que tua sabedoria te proteja deste erro. Boa semana.