UMA CRÔNICA EGOÍSTA






 

               Esta semana, um amigo visitou minha escrivaninha, comentou um texto e enviou-me um e-mail perguntando se eu havia parado de escrever textos críticos. Ele se referia ao período em que fui ativista política. Fiquei pensando e me dei conta que, realmente, tenho fugido dos “problemas sociais”, que minha escrita está egoísta.


               Será que estou alienada? Virei Maria vai com as outras? Não, não é isso, ou pelo menos, acho que não. Também não cansei de lutar pelas coisas que acredito. Nem perdi a esperança. Apenas desliguei-me dos movimentos estudantis, dos sindicatos, dos partidos políticos.               


               Reconheço que muitas vezes tento desligar os olhos para não ver toda miséria em volta, tanta violência sem sentido, tanta exploração que não se justifica. Já tentei fechar o coração e fingir que não sofro com a fome que assola meu país, com os desvios de verbas, com as estatísticas que revelam um país que não vejo, e outras, tão reais, que eu finjo ser de outro lugar.     


               Talvez por isso eu finja que as notícias que ouço ao longe falam de outra nação, não contam histórias de meu país, de meu estado, meu município. Que estas quadrilhas são frutos da imaginação de uma mídia que quer parecer eficiente. Que os meninos drogados que encontro na rua são atores mirins mostrando os perigos das drogas. Não são vidas jogadas fora.


               Quem sabe com um pouco de imaginação e boa fé eu não passe a acreditar que as imensas filas nos hospitais, no INSS, nos postos de saúde, nas portas das escolas não são pessoas na tentativa de assegurar um direito que a constituição lhes assegura, mas voluntários querendo inscrever-se para um serviço qualquer!? E que a saúde e a educação estão muito bem, obrigada. Apesar da dengue, da reforma...


               Sabe meu amigo, você está certo, eu não escrevo mais sobre os temas que me fascinavam nos anos 80, eu não vou mais as ruas gritar contra as injustiças sociais, nem levanto as bandeiras (de nenhuma cor) que já acreditei. Sequer participo dos grupos da igreja. Nunca mais fui a uma reunião do sindicato.


               Se perdi a esperança? Não meu amigo. Eu ainda sonho e acredito numa sociedade mais justa, mais humana. Apenas perdi a fé e a confiança nos mecanismos que usava. Desencantei-me com alguns companheiros. Fui traída por pessoas em quem confiei muito. Mas sou teimosa. Continuo acreditando.


               Por isto meu amigo, faço poesia. Na poesia eu crio. Invento. A poesia me permite acreditar em mundos onde o amor não precisa rimar com dor. Na poesia eu encontro paz, eu vivo meus sonhos, eu expresso meu mundo particular, sem violência, sem medo, sem fantasmas. Sei que você vai dizer que isso é egoísmo. Que estou preocupada apenas com meu umbigo. Talvez seja verdade.


               Mas, tenha certeza que nunca cruzarei os braços. Que injustiça para mim sempre vai ser vista e tratada como tal. E tudo que me incomodava antes, hoje me incomoda muito mais. Que não me alegra ver tantos escândalos. Por que não escrevo sobre isso? Porque tem muita gente fazendo isso melhor que eu. Desculpa se decepciono você. Na essência continuo a mesma pessoa apaixonada pela vida. Talvez menos ingênua, vendo o mundo com olhos menos românticos. Talvez mais crédula a ponto de não conseguir ver Martin L. King em Obama.     






*Foto tirada durante a visita do Dep. Dante de Oliveira à Caicó no período da campanha Diretas Já. Da direita para esquerda: Dep. Roberto Furtado, Dep. Dante de Oliveira, Eu, Danga, Canindé, (não lembro o nome deste casal), Prof. Brito, Neto braz, Oliveira Wanderley.
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 07/02/2009
Reeditado em 07/02/2009
Código do texto: T1426874
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