AS DORES HUMANAS
Estive conversando com uma amiga ontem sobre o término de seu casamento. Mulher inteligente, bonita, de boa formação, com sucesso profissional, financeiro e familiar.
Ela chegou aos prantos ao lembrar dos seus recentes infortúnios.
-“Eles não brigam?”
Ela me disse que suas empregadas perguntavam isso às suas filhas sobre o seu relacionamento com o marido.
“Era amorzinho prá cá, benzinho prá lá... Jamais imaginava que isso pudesse acontecer comigo.”
Disse-me ela inconformada.
Acabaram de construir uma mansão num condomínio de luxo, uma casa dos sonhos de qualquer pessoa, gastaram tudo o que podiam e, de repente, a descoberta de um adultério põe abaixo um relacionamento de mais de 20 anos, com duas filhas ainda pequenas e muitas, muitas dívidas a serem pagas.
Hoje a conversa deles é sobre o valor da pensão para as meninas e sobre a partilha dos bens. Ela está arrazada, pois não esperava tal comportamento do marido. Ela me disse que ele está relutando para pagar um valor adequado ao nível de vida que levavam antes da separação.
A despeito de todas as suas notórias qualidades e sua inteligência, minha amiga iludiu-se profundamente. O amor romântico é uma fábula inventada para acalentar nossos corações, contudo nunca estamos satisfeitos com ele. Quando uma relação baseada em ideais românticos se acaba, a decepção, a tristeza e o descrédito são muito mais intensos.
E são assim porque a pessoa foge da realidade e constrói um mundo idealizado. Esquece que o ser amado, assim como qualquer outro, é um animal que têm instintos muito fortes. Que entre o preceito moral cristão “Não adulterarás” e a vontade de copular com todas as mulheres do mundo, o segundo, instinto, leva uma vantagem imensa.
Minha amiga iludiu-se com um ideal de vida que em seu ver não cabia o sofrimento. Estava entorpecida com seu sucesso, sua felicidade, com tudo na vida correndo muito, muito bem.
Pobre amiga. Deixou-se enredar pela promessa de vida plena, feliz e sem sofrimento que a nossa sociedade almeja e que de certa forma promete. Esqueceu-se de que a vida, além de felicidade, possui coisas ruins como sofrimento, doença, tristeza, depressão, imperfeição e morte. Em suma, a vida é trágica.
Qualquer um sofreu ou sofrerá as mazelas elencadas no parágrafo anterior. Do ponto de vista do ser humano são coisas ruins, mas do ponto de vista da realidade são coisas naturais. Isso não quer dizer que a natureza, o mundo, a realidade, o universo ou mesmo Deus, possuam algum motivo para nos castigar. Ao contrário, todas estas coisas são indiferentes ao nosso destino, por natureza própria ou inexistência.
Somente o ser humano em sua gigantesca pequenez para pensar que o universo tem algum objetivo para ele, que tem alguma importância nesse enorme e desconhecido cosmo. Que alguma dessas forças da natureza se importam com o destino dos homens. Será que os astros se movem no sentido de alterar o rumo de nossas vidas aqui na terra? Que destruição o antropocentrismo nos causou com sua prepotência!
Receita para a vida: ame-a! Com tudo que ela tem de bom e de ruim, pois ela é naturalmente assim, imperfeita.
Não, não caro leitor, não é receita de felicidade, acredite que a receita desta coisa tão escorregadia não existe. Sim você vai sofrer meu amigo e amiga, vai chorar e ficar triste. Desconfie daqueles que te disserem o contrário, que te prometerem somente a felicidade, pois são mentirosos.
O ser humano reluta muito para aceitar as coisas naturais, as coisas como elas são. É o único animal que se nega a ser aquilo que é. Não vemos entre os animais artistas, poetas, revolucionários ou religiosos porque estes vivem o que são. Neles não há subjetividade, portanto não há conflito.
Todavia, nem tudo é sofrimento. Viva intensamente os bons momentos de sua vida, pois segundo uma constatação empírica natural, a vida é uma só. Outra, existe somente no plano da promessa e da especulação.
Ouvi tudo o que minha amiga me contou e lhe falei que tudo aquilo que está sofrendo logo passará. Não disse a ela todas essas coisas que escrevi aqui, respeitei sua dor. Não adiantaria nada eu dizer tudo que disse a uma pessoa que está sofrendo intensamente.
Esse aprendizado da aceitação do sofrimento é positivo no sentido de que este sentimento, inevitável, passa a ser menos intenso e menos longo. Ao aceitá-lo você já não mais dá grande importância aos seus infortúnios, por isso estes tendem a logo sumirem.
Aceitar as coisas imutáveis, mudar as mutáveis e não elevar à estratosfera seus sofrimentos, talvez seria uma frase que resumiria todo este escrito.