UMA CARONA PARA A SOLIDÃO

Agora há pouco, eu acabara de sair duma garagem dum condomínio donde eu fizera uma visita...a minha mãe.

Assim que olhei para o lado vi que uma senhora aflita me acenava lá do alto dum aclive da rua e vinha em minha direção, e tive dúvidas se realmente era comigo, posto que não a conhecia.

Mais ou menos octagenária, claudicava a artrose das pernas fracas sob o sol do meio dia.

Parei o automóvel e confesso que embora meio temerosa, mesmo assim abaixei o vidro para entender do que se tratava.

Há comunicações que são imediatas, e resolvi confiar na minha intuição.

-Filha, por favor, você já me deu uma carona outro dia, você não se lembra de mim?-perguntou-me num arrastado português, cujo timbre era dum dialeto italiano.

Não, eu não me lembrava dela e decerto que não havia sido comigo...

-Sim, senhora, me lembro sim, mas o que acontece?

-Por favor, será que poderia me dar uma carona até o banco? É para o mesmo daquele dia. Minhas pernas, olha só que estado estão elas filha, e esse sol ardido...só hoje recebi meus benefícios e tenho que pagar minhas contas...

Perguntei de qual banco se tratava, abri a porta do carro, e procurei pelo melhor caminho para levá-la segura até a porta do banco, aquele que não a faria correr risco na volta, pelo tumultuado trânsito do bairro.

-Sabe moça, outro dia atropelaram uma senhora aqui...e ela não resistiu.

-Fiquei sabendo-respondi me lembrando do fato. A senhora mora sozinha? Por que não coloca as contas em débito automático? É mais fácil para a senhora.

-O que é débito automático filha? Sabe, meu marido sempre fazia tudo, era mais novo, e eu fiquei viúva há quatro anos, estou com oitenta e seis, e sabe,como eu gostaria de ter tido uma filha! São mais companheiras. Tive dois filhos, são bons, mas... nunca têm tempo para mim...

Tentei comtemporizar...

-Sabe dona...?

-Filomena, filha, Filomena.

-Então, dona Filomena, sabe que é, São Paulo é fogo, e tem vida muito complicada.Mesmo querendo alguns não conseguem marcar presença.

-Conhece alguém de confiança, filha? Preciso de alguém que ao menos durma comigo. Tenho medo de ficar só por aqui.

Aquela necessidade me parecia a parte mais difícil de resolver:"Alguém de confiança".

-Se souber eu avisarei a senhora, dona Filomena.

Logo chegamos ao banco.

-Pronto dona Filomena.Tome cuidado para voltar para casa.Atravesse nos faróis.

Com as mãos trêmulas, tirou um papelzinho da bolsa e grafou uns números...

-Obrigada filha, aqui está meu telefone. Quando quiser, vá tomar um café comigo.Faço um bolo de fubá que você vai gostar. E que Deus lhe dê vida e saúde...

Parei o carro e a ajudei descer.

Ficou a me olhar até eu dobrar a esquina.

Fui para casa pensando..."Às vezes, a despeito das construções da vida, o tempo nos trai"

Ao chegar em casa, comovida contei a história para minha filha que surpresa me informou:

-Mãe, não acredito, fui eu quem, outro dia, deu uma carona para a dona Filomena até o banco. Eu a conheço mãe!

Em outra situação eu a bronquearia , posto que é deveras perigoso se dar caronas aqui por Sampa, ainda que para solitárias donas Filomenas...

Mas dessa vez esqueci as broncas e apenas sorri...

(Verídico)