E o seu agora?
Se há outro livro que também gosto de reler é A Descoberta do Mundo.
Quem ainda não o conhece, pode imaginar que se trata de mais um daqueles compêndios, muito chatos por sinal, tentando explicar cientificamente como o mundo nasceu.
Quero dizer - e podem me chamar de estúpido - que se esse livro versasse sobre este assunto, eu jamais teria pousado meus preciosos olhos sobre suas quinhentas e tantas folhas.
Basta a confusão que, vez em quando, me assalta quando releio a "criação do mundo" contada no Antigo Testamento.
O Gênesis é qualquer coisa de mágico e de fantástico. Eu sempre digo isso.
Entretanto, o cidadão - em tempos de Google e internet - só acredita, por exemplo, naquela de "Exista a luz. E a luz existiu" para não ofender ou desagradar o divino Padre Eterno, o arquiteto do Universo.
A menos que se concorde, de logo, com o escritor Rubem Alves que asseverou: "Deus é o feiticeiro-mor: falou e o Universo foi criado."
E atenção. Não sou filiado a qualquer Loja maçônica. Mas acho que este título - o arquiteto do Universo - dado pelos maçons a Deus é procedente e definitivo.
"No princípio Deus criou o céu e terra." A terra? O céu?
Não sou teólogo. Declarando-me um insigne ignorante em matéria de interpretação do livros sagrados, diria que, no princípio, Deus criou, sim, o Universo.
Por que o Universo? Não vou dizer, se o Larousse está aí para responder.
Ora, se não sou um biblista, por que, então, detenho-me tanto tempo a especular sobre se o Gênese deve ou não ser reescrito, no seu Capítulo-1, Versículo-1?
Só pode ser coisa de um ímpio ousado.
Afastada, pois, a hipótese de se tratar de um livro contando a origem do Universo, digo que A Descoberta do Mundo reúne, em centenas de páginas, crônicas, frases e pensamentos da bela escritora Clarice Lispector, morta em 9 de dezembro de 1977, aos 57 anos de idade.
Súbito, ela ajudou-me nesta crônica. Assim.
Pelo telefone, uma amiga queixou-se da sua caderneta de poupança, cujo rendimento, segundo ela, "vem caindo vertiginosamente". Um pouco de exagero.
E ela, desolada, angustiada, deprimida, indagava: "Será atal da crise?"
Meu trabalho, para tirar-lhe da depressão, foi o de convencê-la de que poupar nem sempre é a melhor coisa da vida.
E que o mais aconselhável seria ela procurar viver intensamente o seu agora, esquecendo, na medida do possível, o amanhã.
E o fiz com a ajuda de Clarice Lispecto, que, a propósito, em uma de suas crônicas citou o filósofo norte-americano Thoreau, de quem, creiam, eu jamais ouvira falar.
Vou procurar ser sucinto, reescrevendo o pensamento do gringo, que Lispector tomou como coadjuvante na sua excelente crônica.
Henry David Thoreau (1817-1862) condenava a preocupação exagerada de seus viszinhos em andar economizando para o futuro. E pregava: "Melhore o momento presente." E mais: "Estamos vivos agora."
Clarice, no rastro da tese defendida pelo pensador americano, completa: "A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje, pelo amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe."
Desliguei o telefone, certo de que Thoreau, Clarice Lispector e eu não havíamos conseguido convencer minha traumatizada amiga a colher o seu dia - Carpe diem - "como algo que nunca mais se repetirá..."
Dias depois, uma carinhosa mensagem dela, vindo do alto mar, me pegou de surpresa!
Para ser mais preciso, mandou-me um generoso e-mail, no momento em que chegava na Patagônia.
E no final: " Estou vivendo o meu agora. E o seu?"
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De Rubem Alves : "A única coisa que temos é o momento. Não perca o agora."