Cavalos Históricos

Cavalos Históricos

Mic one – on:

- Estou te reconhecendo, você não é o cara que, de acordo com os arquivos forenses, trabalhou para os primeiros “serial killers” da história?

- Ôoaaa! Primeiros?! Esses forenses são tantãns...e depois foi uma única vez. Estava um frio danado...

Cam one – on: enquadramento no palco principal da Grande Estrebaria das Almas Eqüinas, onde acontece o simpósio da lua cheia do mês, para tratar do futuro de cavalos desencarnados, que brevemente voltarão a oficiar na Terra, como cavalos. Como toda reunião desse porte prescinde de um líder, escolheram um alazão cor de mel para abrir a cerimônia.

Cam one (só há uma câmera) on – close no mestre de cerimônias, que usa um chapéu de feltro verde e, ao invés de começar logo, pois a irritação é geral dado ao adiantado da hora e do extenuante calor, o alazão decide contar uma anedota para descontrair o auditório.

Mic two – on – (existem vários microfones):

- Srs., uma vez fui parar num salloon para procurar meu dono...

Alaridos. Relinchos. Esgares. Pouca gente gosta de inovações. Vaias. Baderneiros se multiplicam. Cavalos jovens e impetuosos, denominados potros, subiram no palco. Durante 5 minutos cravados a câmera registrou toda a forma de impropérios. Os patrocinadores do evento sumiram com o tape e desligaram todos os microfones na hora da confusão, para que não houvessem vestígios de tamanha falta de educação. Na pressa, esqueceram do Mic one, instalado na ala dos cavalos de terceira idade, denotadora de sabedoria e requinte. Mic one registrou o seguinte colóquio:

- Ninguém agüenta mais essa piadinha do cavalo branco de Napoleão. Isso é um tremendo desrespeito para comigo, que fui servir ao imperador por acaso, já que a esposa do titular estava com caxumba, e é também um desrespeito para com os outros cavalos que participaram da batalha, visto terem ficado surdos pelos estampidos dos canhões. Então, acho bom parar de dizer isso, senão conto para todo mundo que você trabalhou para o Edmund e Burke.

- Você é quem começou, depois... quer saber? Pode contar....- falou o percheron, com os olhos semi-cerrados - Eles me alimentavam bem. Só aconteceu duas vezes. Dois sujeitos extremamente burros, pois foram vender o corpo da noiva do médico para o próprio médico. Acho que terminaram enforcados...Que culpa eu tenho se o hospital comprava corpos? Ademais, não é só você que andou com gente importante. Meu primo saiu de Londres na mesma época, já te disse como Londres era soturna em 1870? Ah, o meu primo...foi para a América e passou toda a vida cuidando do Joe Lefors.

- O xerife?

- Não, o inventor do obelisco. Lógico que o xerife, ele usava um chapéu de palha, branco...Você se lembra de todas as suas encarnações, além desta que tanto se orgulha?

- Com certeza. Esse é o objetivo do simpósio. Fui um alegre potrinho em Rio de Moinhos, Portugal. Volta e meia o patrão nos dava uma beberagem a base de aveia, vinho e miolo de pão, chamavam isso de “sopa de cavalo cansado”. Bons tempos. Do que você está rindo? Pelo menos não trabalhei para assassinos.

- Ôoaaa, eu também não. Foram só três vezes. Edmund e Burke não eram tão ruins assim...acho. Que culpa eu tenho? O hospital estava comprando corpos, para que os médicos pudessem estudar, e os rapazes estavam desempregados, não é todo dia que se acha um corpo fresquinho, então, eles passaram a produzir corpos...Que eu posso fazer? Não fossem eles, e eu não comeria. De lascar, aquele inverno...

- Bem, me parece que não foram só 3 vezes...

- É...tem razão. Acho que foram 5. Isso, 5 vezes, no máximo. Eles eram muito preguiçosos e eu não fazia perguntas. Alguma encarnação no Brasil?

- Não. Toda a parentada da minha mãe foi pra lá. Você conhece?

- Estive numa ocasião, com os holandeses, mas me mandaram de volta. Veja, restabeleceram a ordem.

Cam one – on: close no mestre de cerimônias, que ajeita o que restou do chapéu e age como se nada tivesse acontecido.

- Srs., uma vez estava indo procurar meu dono num salloon. Devido a algazarra, as pessoas nem se incomodaram com a minha presença, e quando cheguei no balcão o garçom, que estava mais pra lá do que pra cá, olhou para mim e disse:

- Rapaz, você está com uma cara, já me senti assim. Vou lhe servir um duplo.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 03/02/2009
Reeditado em 06/07/2013
Código do texto: T1420317
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