Sobre homens e pardais
Quem já esteve num zoológico ao final do dia, com certeza pode constatar a magnífica ação que a natureza exerce sobre os bichos, mais precisamente depois das 17 horas. Pontualmente, um a um, crocodilo, macaco, girafa, pássaros; todos os animais ali existentes, como se uma sirene tivesse alertado, dirigem-se vertiginosamente para os seus refúgios. Para suas casas.
Para nós, seres dotados de inteligência racional, não é diferente. A visão da casa da gente depois de um dia de trabalho, ao entardecer, é a visão de um oásis em pleno deserto. Tudo o que se precisa e somente o que se quer... Para jogar a bolsa, desvestir o casaco, descalçar os sapatos e, despejar o cansaço no primeiro sofá que aparecer pela frente. Esta é uma daquelas sensações unânimes onde a controvérsia fica de fora. Ou seja, ao final do dia seja racional ou irracional, o animal necessita voltar para casa.
Todo o dia à tardinha pego o meu filho na escola que, invariavelmente quer ir direto para casa. Percebo nele o desejo universal de correr para o local onde guarda seus pertences, alimenta a sua fantasia e relaxa a sua alma. Todo dia, porém, antes de chegar em casa, ao dobrar a esquina de uma das ruas da cidade, um trilar estridente sempre chamou a nossa atenção. Era a revoada de pardais vizinhos da escola que, como nós, dirigiam-se apressados para casa.
Diariamente parava o carro, abria os vidros e deixava o meu filho se encantar com a cena que a natureza nos permitia ao entardecer. A árvore frondosa, com os seus galhos acolhedores, recebia um a um, os pássaros que chegavam buscando abrigo. O canto alto do bando hipnotizava quem por ali passava, anunciando com autoridade o encerrar de mais um dia.
Assim deveria ter acontecido novamente há algumas tardes atrás. Peguei meu filho na escola e me dirigi ao costumeiro trajeto. Quando para nossa surpresa e espanto avistamos, antes de chegar à esquina, o céu pintado de pássaros perdidos e assustados. Centenas de pardais desesperados voavam entre os prédios, e sobre as construções. Alguns pareciam desconcertados tentando entender o que havia acontecido pousados sobre os fios de eletricidade.
Dobrei a esquina e como sempre parei o carro ao lado da árvore que outrora lhes servira de casa. Seus galhos já não existiam. A árvore frondosa fora reduzida a um único tronco, agora disforme e sem sentido. Descemos do carro e sob a nuvem negra de aves nervosas, olhamos impotentes para o despejo que ali acontecera. Nada poderíamos fazer. Seguimos para casa, tristes e torcendo para que aqueles pardais fossem sagazes o bastante para encontrarem outro lar antes que anoitecesse. Assim como sabíamos que encontraríamos o nosso.
Voltei para casa envolvida pelo temor à frieza dos homens que subestimam diariamente as obras divinas, como se pudessem reproduzir a qualquer hora em qualquer lugar, uma árvore idosa ou uma revoada de pássaros ao entardecer, com a mesma competência de Deus.