O MISTERIOSO SENHOR DA PRAÇA

A jovem Mila estava atrasada para a faculdade, mas não se esqueceu de pegar a sacola com o lanche. Biscoitos, maça, banana, suco... Era isso que ela levava hoje para um velho senhor que morava na praça do seu bairro. Sr.Feliz, como era conhecido. Sempre andava alinhado, apesar dos ternos velhos. Sapato furado, porém sempre brilhando. Barba bem feita e um sorriso de dar inveja a todos que passavam por ali.

Mila o conheceu há algum tempo e logo se encantou. Assim, todo dia levava o lanche para ele antes de ir à faculdade. E tinha tempo de ouvir suas histórias. Se forem reais, que experiência de vida ele tem. Se forem mentiras, que imaginação... Uma das histórias que mais fascina Mila e quando ele participou da Segunda guerra mundial. Como foi um homem valente. Defendeu com coragem a todos e a tudo.

Assim que Mila sentou ao lado do Sr.Feliz, ele se emocionou. Achava comovente a ajuda daquela menina. Como aquele café da manhã o fortalecia. Ela viu uma foto antiga no seu velho caixote e perguntou onde era... Ele respondeu como estivesse voltando ao tempo... Era Piranga, sua cidade. Onde deixou a mãe que não a viu morrer. Onde deixou os amigos que partiram sem se despedir. Onde deixou a sua família... Mila sorriu. Ela conhecia a cidade.

Mila também observou uma criança no colo do Sr. Feliz. Era o seu filho. Quando Sr.Feliz voltou da guerra, a sua família tinha ido embora de Piranga. A sua esposa, que era doente morreu, e seu único filho foi dado para uma família criar. Sr.Feliz soube para onde ele foi, mas não foi atrás. A morte de sua mulher o tinha abalado muito. Logo adoeceu e não pôde continuar os seus negócios na cidade. Foi transferido para a capital e ficou internado há anos em uma clínica.

Sr.Feliz comeu o último pedaço de maçã e Mila se despediu. Era hora de ir à faculdade. Estava super atrasada. Agora ela entendia porque aquele senhor tão simpático estava sozinho no mundo e nas ruas. Foi considerado louco, mas estava deprimido. Amou muito a sua esposa. Uma linda portuguesa. Conheceram-se no coreto da praça da matriz de Piranga. Enquanto a procissão de São Sebastião rodava a praça, eles deixaram que suas mãos se tocassem. A partir dali, nunca mais largaram um ao outro. Até a guerra...

Passaram semanas e Sr.Feliz havia sumido da praça. MIla não soube do seu paradeiro. Procurou saber na redondeza se alguém sabia daquele senhor, mas as notícias eram muitas. Até que ela soube que ele havia falecido. Ficou doente. Não suportou a solidão, a ausência de sua esposa e de seu filho, apesar de mostrar um sorriso cativante. O remorso de não ter o procurado falava muito mais alto.

Mila correu até o banco da praça onde Sr.Feliz dormia e chorou. Pela primeira vez sentiu a morte. Como era cruel. Observou algo debaixo do banco e pegou. Era a foto. Ela sorriu, era tudo o que precisava naquele momento, apesar de ter pegado tão atrasada... Ligou para o seu pai e pediu que a buscasse.

Imediatamente, o pai chegou. Estava nervoso e falava alto ao celular. Mila entrou no carro e enxugou as lágrimas. Finalmente, tinha a foto nas mãos. Enquanto o pai falava ansiosamente no celular, MIla colocou a foto em sua direção.

Silêncio.

Ele desligou o celular. Pegou a foto. Uma lágrima saiu de seus olhos.

Murmurou...

- Pai...

Alexandre Lana Lins é jornalista

www.alexandrelanalins.com.br

Alexandre Lana Lins
Enviado por Alexandre Lana Lins em 02/02/2009
Código do texto: T1418917
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.