Ausência na Paisagem
Hoje, ao elaborar a cena do dia, já não se insere mais na paisagem o flamboyant que salpicava de lágrimas vermelhas o quintal da casa onde moro. Morreu ao defrontar-se com uma certidão de trinta e cinco anos apresentada pela mão do tempo como um terrível "ultimatum" ao seu ciclo de vida vegetativa. Pássaros e borboletas tiveram abrigo na sua sombra e mel nas suas flores. Animais cochilavam junto ao seu tronco e crianças balançavam-se em seus ramos pendidos para o chão. Olhares que se estiravam da janela espaçosa viram-lhe a silhueta escarlate dominando em primeiro plano a moldura verdejante.
Ele era o amigo de todos os dias, sob cuja sombra eu conversava com passarinhos, enviava ao céu uma borboleta para acordar um dia dia mais alegre e colorido ou, quando cansada de tanta claridade, lançava ao infinito azul uma estrela para que se fizasse noite e eu pudesse fazer versos e sonhar com um mundo que nunca veio. Um dia, depois de alguns presa ao leito, debrucei-me à janela e fui revê-lo, acariciá-lo com os olhos e reintegrá-lo em meus devaneios de adolescente.Era tarde. Estava morto o meu velho amigo. Não lhe restavam sequer as lágrimas flóreas com que fazia do chão cinzento um tapete de angústias incompreendidas. O vento levara-as para sempre, como as desilusões levam da alma da gente as esperanças frustradas.
Depois que meus versos se despiram, metaforizei a árvore saudosa cujos ramos pareciam ter sempre um gesto de carícia e cujas folhas eram como dedos nervosos de um poeta em declamação, mas denotei-lhe a morte. Viam-se-lhe apenas o tronco descascado, as raízes secas semidescobertas e uma galha partida ao meio, apontando para a janela como um antebraço de corpo mutilado. O sol batia-lhe no dorso e sua sombra esgueirava-se na calçada, numa triste e meiga tentativa de subir pela parede e falar-me.
Hoje procuro e não vejo o menor sinal do meu velho flamboyant . Outros ventos levaram suas raízes desfeitas em terra. Mas eu sei, exatamente, o lugar onde ele nascera, crescera e morrera. As árvores queridas são como os grandes sonhos:deixam, ao morrer, um ponto de referência para evocação e saudade.
Hoje, ao elaborar a cena do dia, já não se insere mais na paisagem o flamboyant que salpicava de lágrimas vermelhas o quintal da casa onde moro. Morreu ao defrontar-se com uma certidão de trinta e cinco anos apresentada pela mão do tempo como um terrível "ultimatum" ao seu ciclo de vida vegetativa. Pássaros e borboletas tiveram abrigo na sua sombra e mel nas suas flores. Animais cochilavam junto ao seu tronco e crianças balançavam-se em seus ramos pendidos para o chão. Olhares que se estiravam da janela espaçosa viram-lhe a silhueta escarlate dominando em primeiro plano a moldura verdejante.
Ele era o amigo de todos os dias, sob cuja sombra eu conversava com passarinhos, enviava ao céu uma borboleta para acordar um dia dia mais alegre e colorido ou, quando cansada de tanta claridade, lançava ao infinito azul uma estrela para que se fizasse noite e eu pudesse fazer versos e sonhar com um mundo que nunca veio. Um dia, depois de alguns presa ao leito, debrucei-me à janela e fui revê-lo, acariciá-lo com os olhos e reintegrá-lo em meus devaneios de adolescente.Era tarde. Estava morto o meu velho amigo. Não lhe restavam sequer as lágrimas flóreas com que fazia do chão cinzento um tapete de angústias incompreendidas. O vento levara-as para sempre, como as desilusões levam da alma da gente as esperanças frustradas.
Depois que meus versos se despiram, metaforizei a árvore saudosa cujos ramos pareciam ter sempre um gesto de carícia e cujas folhas eram como dedos nervosos de um poeta em declamação, mas denotei-lhe a morte. Viam-se-lhe apenas o tronco descascado, as raízes secas semidescobertas e uma galha partida ao meio, apontando para a janela como um antebraço de corpo mutilado. O sol batia-lhe no dorso e sua sombra esgueirava-se na calçada, numa triste e meiga tentativa de subir pela parede e falar-me.
Hoje procuro e não vejo o menor sinal do meu velho flamboyant . Outros ventos levaram suas raízes desfeitas em terra. Mas eu sei, exatamente, o lugar onde ele nascera, crescera e morrera. As árvores queridas são como os grandes sonhos:deixam, ao morrer, um ponto de referência para evocação e saudade.