UMA HISTÓRIA
 
 
         Ia escrever, cheguei a botar o título, o interfone toca. Alô? É o homem da máquina de costura. Ok, suba, mando.
         Atendo já com o dinheiro na mão, pra despachar logo, pois não estou a fim de nada neste domingo calorento. Toma-me mais tempo do que eu queria.
         Volto pro sofá e pego a caneta e o papel para continuar.
 
         Mas como posso escrever se os passarinhos e o beija-flor pequeno estão na maior festa na varanda!
         São tantos, tão alvoroçados de alegrias... Eu nem queria saber deles hoje, só botei a água doce e reguei a árvore e as plantas. Mas saltam, revoam, assoviam, pousam na porta de grade de ferro que separa a varanda da sala, catam com a pontinha do bico qualquer coisinha como alimento ou sei lá o quê, uma alegria tão desenfreada, tão lindos que interrompem o meu olhar, em contraste comigo, que hoje não estou a fim de nada, nem feira quis ir; hoje não quero saber de nada. É que tive um sonho ruim e estou avessa a qualquer coisa.
         Paro. Olho pra varanda. Não tem nem um passarinho lá agora. E, num pequeno intervalo de tempo não olhei e escrevi. Será que eles gostam que eu os fique admirando, observando-os e trocando energia? Voltou o beija-flor pequeno e foi.
         A vida tem mistérios que a gente nem imagina. Ausentaram-se todos da varanda, já há uns cinco minutos.
         Bom eu estou mais calma. Acho que vou lavar minha cabeça e...
         Voltaram dois selinhos. Voam e se comunicam no espaço sempre a dois. Será que estão se acasalando?
         Será que já é primavera?
Meu Deus, eu comecei a contar uma história verdadeira, mas era ruim.
         Será que os passarinhos me fizeram bem e eu não to mais a fim de contar nada?
         Será que dei vida a eles e eles retribuíram, dando-me vida também?