Fernandice

eu acho que agora estou pronto pra falar sobre Fernanda de uma perspectiva que não seja poética, mas apenas crônica. agora eu estou pronto, com certeza talvez.

"Fernanda", suspiro, coração bate na entranha, em descontrações intestinais. nunca começou, teve uma história engraçada, aliás, nada engraçada. só um negócio embaralhado. tá bom, agora eu estou pronto

eu a via andando pela faculdade e tremia, tinha medo daqueles olhos tão claros, tão grandes, como dois olhos que tudo vêem, aqueles olhos gigantescos e vazios como nas notas de dólar in god we trust. ela desfilava aqueles dois oceanos e exuberância loira, e subia e descia e fumava, solitária!... eu me cagava de medo e aí fazia que ia falar qualquer bobagem com ela, mas eu nunca ia. porque eu era do time dos fracassados, sempre fui um "nunca fui bonito", não minto não porque já que eu comecei a vomitar então isso é prosa e eu não posso omitir como na poesia.

então continuo a suspirar por aquela mulher dos tempos, ela é baixinha sabiam? e ali jazia todo o sonho de uma juventude frágil e estúpida, que se cria burguesa e legal. que achava que era PROUST hetero.

não tive coragem de falar palavra àquela mulher suprema, e covarde cachorro de rabo, pedi a uma amiga que me desse o e-mail dela, pra falar no computador, recanto de punheteiros. a curiosa angelical aceitou e a gente se falou, comigo babando digitalmente o teclado escorrendo feito um catarro doente.

no outro dia a gente se encontrou onde ela sempre gostava de lanchar ela fumava. eu fumava seus olhos do céu. eu não posso ficar criando alegorias, porque eu não sou ninguém perto dela e nunca fui. eu conversava gravatas, ela falava mistérios. ela foi cordial, goianamente. um goiano jamais destrataria ninguém, pra eles o mundo é um grande empadão e o amor é uma pamonha que bate o pé no chão. chamei ela pra sair

ela sempre ocupada cheia de amizades. quando eu mandei uma foto pra ela na internet antes ela não reclamou... mas algo estava errado, eu estava com minha fraca garota numa boate, ridículo e imprestável vagabundo do suor das eras, a garota dançando anemias, mas aí passou rebolando como um pássaro na minha frente a Fernanda, como uma típica fernanda e baixinha impressionando meus amigos masculinos, que me gritaram secretamente nos ouvidos: OLHA A LOIRA da faculdade a tal da sua loira, e eu falando que já vi. senti uma dor de dente pontiaguda como um obelisco de gelo. sexys olhos ela tinha naquela noite, misturados com tantas luzes coloridas carnavelascas do hip-hop, calça apertadinha, ela explodia em fogos do ano novo ali dentro. e nem dançava, só caminhava feito uma garota country saída duma música do Leonardo, ela nem sequer disfarçava sua fernandice deliciosa, calma, pouco se importava com o desabamento do mundo ao seu redor. só eu me importava com cada número e estatística daquele corpo renascentista no meio do cubismo desvairado. Na boate dos pavões e dos suplícios efervescentes ela ainda falava mistérios, agora com seus cabelos perfumados de rainha ancestral. eu ainda pegava anemias fuliginosas no meu jeans de fraquezas.

A Fernanda de súbita freada encontrou-se com um playboyzão filho da puta, top, vip gostoso, lá naquele deserto árido de lagartos aonde se compram as bebidas. Um ator da malhação com os cabelos em flor, e de onde saiu aquela porra?! e euzinho não sabia porque diabos eu estava com quem eu estava, uma garota-lacuna fazedora de vazios, porque diabos?! a boate ferveu toda vermelha como uma gigantesca onda de menstruação e eu bebi com violência e dei beijos de sangue na anônima garota sem significado para mim. whiskies caros e pútridos. e cigarros e mais cigarros de ódio em brasa!

fodeu a noite e eu depois sem muitas cerimônias fui embora mesmo, deixei minhas asas lá naquela noite estrelada, elas foram amassadas pelas pisaduras dos sapatos de salto alto e pelas maquiagens de tristeza. e dormi, e hoje é um sábado muito parecido com aquele, assim terminou a história deste anjo Fernanda nas alturas, comigo escrevendo velhacamente uma croniqueta, ela pescando lobos em uma nuvem da madrugada felpuda. carruagens e mais carruagens de ferro encostadas na minha cabeça, memórias geladas de um imbecil sem relógio.

e a minha solidão, ao relembrar esses fatos, é a de mil latas de cerveja vazias.