O retrato três por quatro
 
       Franco mandou um retrato três por quatro, colorido e eu o guardei junto com suas cartas. E agora fazendo uma limpeza geral eu os encontro, as cartas e o retrato e nem mesmo sei porque os guardei tanto tempo e nem mesmo sei o que fazer com eles.

       Não sinto vontade de reler as cartas, mas fico um tempão olhando o retrato e imaginando o que foi que aconteceu com sua vida. Faz muitos anos que não tenho notícias, desde quando ele se mandou lá da Venezuela para me ver e descobriu que o que ele queria não era o que eu queria.

        O retrato é bem parecido com o pouco que me lembro dele e ativa minha memória. Fico impressionada quando penso o quanto a memória nos prega peças e a gente acaba esquecendo quem acha que não esqueceria porque de uma forma ou outra foi importante em nossa vida. Todos os anos ele vinha ao Brasil passar aqui suas férias e já algumas vezes, perdida em algum aeroporto qualquer, eu vejo alguém parecido com ele, fazemos um rápido contato visual e cada um pega seu rumo e eu nunca tenho certeza se era ele ou não.

      Franco é italiano,  mas foi muito jovem para a Venezuela. Eu o conheci no elevador de um hotel no Rio de Janeiro onde estávamos hospedados. Eu com minhas amigas, ele com o seu. Era nossa última noite no Rio, eles foram colocados no Hotel por causa de um atraso no avião que os levaria de volta para casa. Ficamos conversando no saguão olhando a beleza da noite, as estrelas se refletindo no mar,as ondas batendo na areia, até que decidimos ir todos ver um show musical qualquer, no próprio hotel. No dia seguinte tomamos o café juntos e nos despedimos, na minha cabeça para nunca mais nos vermos, embora tivéssemos trocado endereços, mas de qual viagem a gente não volta cheia de endereços e juras de amizade eterna? Mas nem bem cheguei em casa e junto chegava também flores e logo a seguir cartas e mais cartas que eu ia respondendo porque sou boa respondedora. Pouco depois ele estava de volta. Bem, veio  em um pé e foi no outro, mais rápido do que um pé de vento, jurando nunca mais voltar ao Brasil. Eu não só não tinha vontade de ir para a Venezuela como não tinha vontade de seguir ninguém para o fim do mundo abandonando uma vida que mal começava e da qual eu gostava. Na verdade, o que havia é que nada havia além do que poderia ter sido uma boa amizade, mas entre homem e mulher as vezes isso fica difícil porque um ou outro acaba confundindo as coisas.  E então anos se passaram e eu fico pensando agora o que foi feito dele porque não posso imaginar que um homem culto e inteligente como mostrou ser consiga viver sobre as ordens do Super Hugo. Pela madrugada - eu digo comigo mesmo – do que eu escapei! E fico por aqui dando graças a Deus até que um pensamento cruza rápido a minha mente como um raio atordoante – E se o nosso Lula-lá resolver seguir os passos daquele que parece ser o seu ídolo e decidir fazer aqui o que o outro faz lá, ampliando seus poderes, esticando seu mandato? Não vai dar certo para mim principalmente agora que fiz um teste na net e descobri que sou liberal de direita e não de esquerda, como sempre pensei ser o que já está causando uma confusão danada na minha cabeça. Vai sujar e eu vou ter que me mudar. E enquanto a sujeira se mantém debaixo do tapete preciso decidir o que fazer com o retrato e as cartas que Franco mandou para mim.