Pára que eu quero descer!
Nos dias em que estourou o escândalo do leite adulterado no Brasil, perguntaram-me se eu iria escrever sobre o vergonhoso fato. Naquele momento apenas respondi que não. Entretanto, se eu fosse revelar minhas páginas internas e parcialmente secretas, se fosse publicar os parágrafos de sentimentos que constituem a obra que sou; diria que não quero falar do leite, porque não suporto perceber a impotência das minhas palavras diante tanto leite que já foi derramado.
Então não quero mais chorar o leite, a impunidade, a desigualdade, o caos que tem se alastrado sobre este país. Sinto-me fraca por confessar neste momento a minha rendição. Desisto de lançar as minhas palavras ao vento, no intuito de vê-las pousar num campo de mentes férteis e produtivas. Perco-me com elas, sem lenço e sem documento, nesta que aprendi a chamar de minha pátria amada. Tampouco quero chorar aos acenos dos lenços, dos que resolveram partir para outras pátrias, não tão amadas, mas aparentemente tão mais promissoras.
Levanto os braços e mostro um corpo desarmado, um coração desiludido, uma mente confusa. Estou me entregando. Não quero mais lutar com palavras, porque já morreu em mim a esperança. Encontro-me num estado de covardia. De quem se prostra num canto, aguardando que alguma coisa prenuncie que, tudo acabou e que o país sobreviveu apesar da minha deserção.
Enquanto isto escrevo e crio o meu paraíso particular, onde o mal não causa espanto porque mora além do meu quintal.Não quero ligar a tevê, e mais uma vez constatar que, ela assemelha-se à caixa preta encontrada depois do desastre. Basta clicar no “on” para ver revelar-se a mim, todos os fatos e causas das catástrofes cotidianas. Há tempo optei pelo “off”, e isso no mínimo tem me poupado de lembrar que faço parte da lista dos malfadados passageiros.
Quero fechar os olhos para os jornais que estampam na capa a cara das vítimas das rodovias inapropriadas, das vítimas da miséria, das vítimas do abandono social, das vítimas do desespero que servem às manchetes como atrativo comercial. Quero apenas pintar o meu Brasil com a cara que aprendi a amar. Preciso sorver e preservar a nuance da poesia, da música, da arte e da natureza, que transformam um mero traçado no mapa do planeta, em um lugar magnífico de se viver. Afinal, foi aqui que posei!
Não vou falar do leite (pensei na época), muito menos dos causadores de todo derramamento que tem inundado este país com a podridão fétida da imoralidade. O meu coração e a minha falta de coragem, têm me impedido juntar meu lenço ao aceno dos que desistiram desta pátria, para serem adotados (mesmo que ilegalmente) lá fora.
Posei aqui. E foi neste solo amado que a minha raiz se embrenhou e se fortaleceu enquanto eu crescia. Sinto-me cambaleante. A velha raiz, ao que parece, resume-se a um raminho frágil e impotente. No cansaço em tentar me equilibrar, sento e assisto omissa aos acontecimentos que revolvem a terra que já não me sustenta. Mas não vou falar do leite.
Vou escrever coisas poéticas que fortalecem a minha alma e tranqüilizam o meu coração enquanto aqui estou. Mesmo que por momentos o desespero me assalte e me leve ao ímpeto de gritar: Parem este país que eu quero descer!