Uma grande viagem

Contrariando a grande maioria, andar de ônibus é para mim, literalmente, uma grande viagem. Não me refiro à locomoção física em si, mas a viagem da mente.

Na quietude solitária da minha poltrona, vejo o mundo passar pela janela como quem aprecia uma obra contemporânea em seus diversos traços. Vejo pessoas lá fora e fico imaginando como devem ser as suas vidas, observo àquelas que entram e saem do ônibus e fico tentando adivinhar se são felizes, se estão tristes, como vivem. E em meio a esta viagem de corpo e mente, invariavelmente acabo fazendo um balanço de como anda a minha própria vida.

Creio que se viajássemos mais de ônibus, dispensaríamos com certeza as visitas ao psicanalista, pois, sem querer, utilizamos o tempo que estamos ali sentados para fazermos uma autoterapia.

Foi numa destas viagens em que eu me encontrava que, apesar do trajeto ser curto, aprendi uma grande lição. Tudo começou quando ele interrompeu meu devaneio ao sentar-se ao meu lado.

- Oi! – Ele falou sem rodeios

- Oi! – Respondi apenas, achando que a conversa morreria por ali.

- Tu tá sozinha?- Ele perguntou, contrariando minha suposição.

- Sim estou. E tu, estás com a tua mãe?- Resolvi levar a conversa adiante.

- Não, tô com a minha tia - Falou levantando e apontando para a primeira poltrona onde a tia havia sentado.

- Minha mãe tá lá em Flonópis (Florianópolis) com o meu pai.- Os olhinhos aguçados olhavam para tudo.

- Tu não moras com eles? – fiquei curiosa.

- Eu não! O grandão que mora com o pai bate em mim. - Olhava pela janela curioso.

- Então tens mais irmãos? – Eu quis saber.

-Tenho uns cinco! Tão lá com as outras tia. - Falava e mexia no pé.

- Eles não moram com os teus pais também? – Estranhei.

- Não, dá muita briga! É melhor ficar separado! A mãe foi pra lá, pro pai não ficá com as vagabunda.

- Quantos anos tu tens?- Perguntei

- Sete. Ai que cocera no pé. – Olhei para os pezinhos sujos,calçados por havaianas sujas.

- O que é isso no teu pé? – Perguntei já deduzindo o que poderia ser.

- Uma batata (de bicho), ai que cocera! – respondeu ao mesmo tempo em que puxou o pé para coçar.

- Tens que tirar isso, querido. Não dói?- Tive vontade de levá-lo pra casa naquele momento.

- Anda guri! Vamo descê! – A tia gritou lá da frente.

- Tchau! Eu vô descê. - Acenou e sorrio mostrando os dentinhos estragados e se foi.

Fiquei olhando pelo vidro, vendo o menino e a tia se afastarem. Ele corria solto e feliz. E eu continuei sentada na minha poltrona, pensando o quanto Deus é bondoso, e não permite que as crianças deixem de ser alegres e esperançosas apesar de todo sofrimento que possam estar passando. Fechei os olhos e não pude deixar de soltar um suspiro ao pensar que, só vivenciando momentos como estes, é que percebemos que a vida real é muito mais dura do que supomos.

Ao chegar ao meu destino, desembarco juntamente com os outros passageiros e cada qual segue o seu caminho. Eu sigo pensando que só existem duas coisas que tornam os seres humanos realmente iguais, a morte e o ônibus.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 30/01/2009
Reeditado em 30/01/2009
Código do texto: T1413366