Deixe seus dedos em casa. (Maria Mal-Amada)
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Não se preocupe com a minha reação. Não vou chorar. Bater a porta do seu carro com toda a força do meu ser na esperança de que você se descabele de raiva, também não vai acontecer. Eu tenho classe. Sei me comportar quando me interessa parecer superior a sentimentos que normalmente me fariam reagir de forma exagerada.
Porque a surpresa? Você não é o único que sabe jogar limpo. Também posso me fazer de forte, me fazer de morna, sem muito sangue correndo nas veias. Sem pulso acelerado ou qualquer outro tipo de manifestação humana.
Não quero ouvir meias verdades só para fingir que as coisas foram mais fáceis, que as coisas foram mais brandas. Quero tudo de duas cores, sem truques nem magia. Nada de voltas em torno de mim, nada de cuidados.
Quero sair disso tudo com a alma lavada. Sem qualquer traço de ilusão que me faça reviver lembranças no futuro. Portanto, deixe seus dedos em casa e me encare sem culpa. Vamos ver quem vai desviar os olhos primeiro. Quem vai gaguejar nas frases iniciais.
Você sabe que pode fazer isso. Sabe que a verdade nua e crua é como um tapa na cara que vale a pena. Vale a pena varrer a sujeira para fora de casa do que deixar que se acumule debaixo do tapete. Aliás, uma de minhas resoluções para o próximo ano é não ter tapetes em casa.
Já disse que não vou chorar. Pelo menos não na sua frente. Quero ouvir tudo de novo, com todas as sílabas bem pronunciadas. A quantidade de palavras não importa. Seja breve, ou se demore o quanto quiser. A sua sinceridade é tudo o que importa.
Nada na sua frente. Nada enquanto você estiver olhando. Depois que você for embora, aí é outra história. Depois que você me der às costas, eu vou me entender comigo mesma. Mas enquanto estiver aqui eu prometo que não vou chorar.
Não na sua frente.
Maria