O último andar
Faz alguns dias que perdeu o amigo. Ele cerrou sua existência mediante ato violento contra si. Estava perdido nas drogas e abandonado pelos que sempre discursaram amizade. Sozinho, sem por que, triste e infeliz, optou pelo fim. Ela afirmou que o entende perfeitamente. Sei que a moça utiliza algumas drogas, quais de fato ignoro. Jamais a vi colocando para dentro de seu organismo as substâncias da felicidade momentânea. Não passa do que já me falaram. De qualquer forma, na pouca convivência que tive com ela, percebi suas emoções à flor da pele. Percebi também um ganho de carinho e respeito entre nós.
Faria o mesmo que o amigo, não fossem as pessoas que gostam dela. Cita o exemplo de quando ficou internada e via pessoas chorando por ela. Calculei que choraria no momento do relato das cenas emotivas no hospital. Mas seus olhos claros permaneceram no mesmo tom. Eu bem que olhei, e acreditei que disfarçava bem.
Comentei que o seu amigo deveria sentir uma tristeza muito forte. E ela mencionou entendê-lo perfeitamente. Que já passou por situação igual. Chegou a mencionar que a vida não faz sentido, sem dizer diretamente desta forma.
Gosto de conversar com ela. Sua sinceridade e graça me agradam. Claro que não temos uma amizade de fato. O que podemos ter não vai além das paredes da empresa em que trabalho e da qual ela utiliza os serviços oferecidos. Nosso limite é ali, nada além disto. Mas isso é normal. É com poucos que nos permitimos ir além das fronteiras. De qualquer forma, enganos serão sempre cometidos. E muitas vezes você apostará em pessoas erradas, e verá também que a ficha que outros lançaram em você também não passava de equívoco.
Naquele dia ela estava estressada. A empresa não pagara o salário integralmente como deveria fazê-lo. Fizera um escândalo com seu supervisor por motivos que nada têm a ver com finanças. Naquele dia, corria atrás de notas na faculdade em que conclui sua primeira graduação. Seu ódio pela instituição foi declarado de forma sincera e vociferante. Já afirmei aqui algumas vezes que a vez do outro é hoje, a nossa será amanhã. É a roleta da realidade. Com o tempo você percebe melhor isto. E aí, com esse passar dos anos, torna-se você alguém mais compreensivo.
O amigo dela, eu jamais conheci. E agora não haverá como fazê-lo. Não que isto fosse um desejo meu de fato. Não vou aqui fingir que tenho as portas abertas para novas amizades. Esse campo é seleto demais para negligenciá-lo, e ainda assim cometo deslizes. Pode o leitor questionar que uma conversa minha, ou de quem quer fosse, poderia tê-lo ajudado. Faz tempo tornei -me um ser que aceita as coisas como elas são. É modo belo, que suaviza a vida nos momentos doloridos. Mas claro, isto é um pensamento. Se naquele prédio eu estivesse, teria conversado com o rapaz e pedido para que não pulasse daquele andar, o terceiro do prédio, o último para ele.