Memórias da Advocacia

Começava a dar os primeiros passos dentro de um escritório de Advocacia, ainda como estagiário. Era o ano de 1984 , em Sant´Ana do Livramento, comarca então servida por duas caras – dois cartórios judiciais privatizados – tudo funcionando num antigo, porém belo prédio , em frente à praça central da cidade , que como quase toda praça do interior também reunia a Igreja Matriz, um clube, o Palácio Moysés Vianna, sede da Municipalidade e algumas agências bancárias.

Pintado o quadro, ali se desenvolvia a vida jurídica: os juízes exerciam a jurisdição . Ali também funcionava – a contento – a sede da Subseção da OAB e a representação do Ministério Público Estadual, com lotação de dois promotores de Justiça. Longe, mas muito longe mesmo de qualquer luxo, tudo funcionava bem, muito bem, diga-se de passagem .

No início da década de noventa, atraído pelos laços de família, retornei para minha cidade natal – São Sepé – onde inserido no escritório de meus tios dei prosseguimento à carreira de advogado. O foro da cidade, bem mais simples que o de Sant´Ana do Livramento funcionava numa casa ampla de arquitetura antiga. Bastante precário, mas suficiente para atender à demanda de processos da comarca. Em Santa Maria, a exemplo da fronteira, o Judiciário era vizinho da praça num prédio antigo, porém de bonita arquitetura.

Era um contexto de trabalho em edifícios antiquados, acomodações apertadas, espaços compartilhados, conjugadas a práticas interessantes que foram abandonadas pela imposição dos novos tempos, dentre as quais cito, por exemplo, os oficiais de justiça “ad hoc” aos quais os magistrados recorriam para emprestar celeridade aos atos processuais. Eram outros anos e podemos afirmar, hoje, que éramos felizes e não sabíamos. Era raro – raríssimo – um processo completar dois anos de tramitação.

Vivemos outros tempos que deixaram para a história os prédios antigos, o compartilhamento de espaços, a dinâmica possibilidade de os juízes buscarem na própria comunidade auxiliares provisórios. Tudo mudando para pior, e com resultados desastrosos na ponta final que é a que mais interessa: o jurisdicionado, ou como diriam os economistas, muito foco na atividade-meio e desatenção à atividade-fim.

Na comarca de São Sepé, por exemplo, existe prédio moderno para o foro, e ao lado como vizinho bem vestido, o Ministério Público em impecável sede, ambos com seus assessores, guardas, serventes, tudo bonitinho e bem arrumado. A comarca, contudo, que há mais de uma década reclama por uma nova Vara Judicial, conta com um único oficial de justiça ao qual se impõe carga desumana de trabalho, pois com o perdão do trocadilho, as outras duas vagas estão vagas. O magistrado da comarca, tolhido pelo sistema vigente, nada pode fazer.

Cada vez que viajo a serviço, vejo novas sedes, novos investimentos em prédios, um Judiciário bem apresentado e lembro com saudades do tempo em que convivíamos em harmonia com a eficiência, com o dinamismo a serviço do resultado positivo do processo. Quando me torturam os dramas contidos nas dezenas de processos que atendo já tramitando na casa dos dez anos me indago, em relâmpagos de viagens ao passado, no domar das minhas memórias, se não seria conveniente voltar um pouco ao passado ...