SOMBRAS NO ARENITO

SOMBRAS NO ARENITO

(CRÔNICA - CARTA ABERTA AO EDITOR)

Lapa, PR, 23 de abril de 2005

Olá, caro amigo Editor:

... 18:30h... as sombras dos telhados e das árvores estão, literalmente, escorrendo pelas pedras de arenito rosado do pátio interno da velha edificação travestida de Shopping Colonial .

A porta da minha sala coincide com a de saída da de recepção do escritório. Lá, do outro lado do pátio, os fundos do que foi um casarão colonial _ uma janela azul real recortada na parede branca. Ali dentro deve ter sido a "cozinha preta", com forno de tijolos onde se assava o pão de todos os dias e as carnes e leitões aos domingos e outros dias santos. Os assados das libações pelos casamentos e batizados. Deveria existir também um fogão baixinho para suportar o peso dos tachos de cobre reluzindo como ouro ao fundo, quando a pá de madeira revolvia a massa da pessegada no ponto de despregar e despejar nas caixetas de madeira adredemente lavadas e branqueadas com cinza esfregada com palha de milho. Aquele doce seria uma das sobremesas da casa até a próxima safra. Fatias escuras a serem saboreadas aos pedacinhos, com leite e farinha de milho servidos em pratos fundos.

Tenho certeza que era assim...

Não vivi ali, mas não seria muito diferente daquela em que passei os melhores anos da minha infância, traquinando atrás da minha avó, enquanto ela comandava o mulherio que habitava a área.

Havia os dias em que o perfume das frutas fundindo se com o açúcar era substituído pelo enjoativo odor da carneada do porcão, enorme, gordo demais aos meus olhos de criança. Esse bicho sangrado causava-me um misto de medo e de sentimento de vingança. Estava morto e não podia mais me ameaçar ferozmente lá no chiqueiro. Dos leitõezinhos sendo pelados após um mergulho de corpo inteiro no caldeirão fervente... ah! desses eu tinha muita piedade. Ainda bem que a coisa iria demorar até o almoço do dia seguinte! Já não estaria mais lembrando o nome dele ... seria apenas um leitão assado, com courinho pururuca, e eu iria o mais rápido possível para a mesa. Não podia perder a disputa pelo lugar ao lado do avô, no banco coberto pelos pelegos. Isso era o máximo de status em relação aos primos e a segunda pessoa a ser servida! E do pedaço que o avô indicasse para mim!

Desculpe-me! Deixei-me levar pelas recordações ... e as sombras ganharam a luta com os raios do sol, que estavam tão dourados da última vez em que os olhei!

Um bem-te-vi está "bem-te-vendo" loucamente no galho de um sinamomo e parece que uma bem-te-vi(nha) de um quintal das redondezas responde baixinho aos apelos apaixonados do passarinho. Não creio de estejam apenas gritando sua última indignação com o sol, por se haver recolhido...

Ah! Tenho que acordar! Parar de divagar! Afinal, não estou aqui para contar o que vejo ou escrever sobre um passado já tão passado, mas , ao mesmo tempo, tão presente! Tão presente, ou eu, tão alienada, tão presa-solta desse passado-realidade, que permiti tão naturalmente às lágrimas virem pingar pelo queixo?

Estou escrevendo, como prometi, para reivindicar a inclusão da Lapa entre as cidades paranaenses, no rol próprio desse sítio, e é isso que devo justificar, não é mesmo?

Pois bem, senhor!

Eu moro na Lapa. Se a conhecesse, entenderia porque sou e escrevo assim.

Nasci aqui, mas isto faz tempo. Ou não!? Meus pais também e os pais deles também. Só dos meus bisavós há os que nasceram fora. Vieram da Europa . Da África, algum?

Um ou outro poderia ser dos nativos ou escravo negro, ou ainda de Portugal. Os demais, da Alemanha, da Áustria - uma coisa um pouco confusa a questão dessas nacionalidades germânicas em função da sucessivas alterações da divisão política da Europa. Especialmente no caso da Alemanha de então e do Império Áustro-Húngaro... Ah, eu precisava saber mais da História !

O caso é que isso me fez nascer loira de olhos azuis e ter uma irmã morena de olhos esverdeados. Bendito caldeirão... o mesmo de todo o povo brasileiro.

Meus filhos também são lapeanos (ou lapianos _ isso dá uma briga entre os lingüistas!), mas essa é outra história. Qualquer dia eu conto.

Pronto, meu amigo jornalista-poeta-escritor-editor!

Isto é o suficiente para você conhecer e entender como é o meu ritmo interior, minha forma de pensar e ser, ouvir a música que comanda a dança dos meus sentimentos. Melhor ainda se vier visitar minha cidade. Ficará plenamente convicto da necessidade de atender ao meu pleito.

Aceite uma abraço desta

Lapeana

MLWeinhardt
Enviado por MLWeinhardt em 01/05/2005
Código do texto: T14074