Menino Ou Menina?
Quando meu filho tinha quatro anos, escolheu de presente de natal um boneco. Não um super–herói ou um guerreiro lutador, viril e invencível. O presente que ele desejava era um bebê de fralda que tinha um pintinho charmoso e fazia pipi numa privadinha azul. Ou seja, apesar do pinto e da privada ser azul, meu filho me pediu um brinquedo de menina. A minha primeira reação ao pedido que ele fez foi: Socorro! Preciso de ajuda!
Após reunião familiar, com presença de psicóloga, meu filho (alheio às neuroses dos adultos), recebeu na noite de 24 de dezembro a presença do velhinho de barbas brancas que fez o papel de cegonha, trazendo para nossa casa Baby Junior. Todos batemos palmas quando o embrulho foi desfeito e Junior surgiu lá de dentro, já sentado em sua privada. Desejava secretamente que os familiares e amigos em volta percebessem que o bebê tinha um pinto, que a privada era azul e que meu filho era um menino como qualquer outro, apesar de não ter escolhido ganhar o quinteto dos Power Rangers.
Durante os dias em que me pus a analisar as conseqüências da vinda de Baby Junior para nossa família, regressei no tempo e me vi na mesma idade em que meu filho tinha, brincando com o Forte Apache do meu irmão, repleto de índios malvados e soldados machos e valentes. Afundada na areia da praia fazendo garagens e estradas para a frota de carrinhos. Ajoelhada na calçada em posição nada feminina, jogando bolinha de gude. Então pensei: Bem-vindo Baby Junior!
Não lembro dos meus pais ficarem chocados ao me verem participar das brincadeiras dos meninos. Isto não causava espanto, muito menos preocupação. Porém não gosto nem de pensar o que aconteceria na hipótese de meu irmão ter pedido, naquela época, um bebezinho fofo e pelado, ao Papai Noel.
De lá para cá, algumas coisas mudaram. Os pais continuam preocupados com o atestado de masculinidade dos filhos, todavia garantir a feminilidade das filhas foi acrescentado ao “roll” de inquietações. Tudo isto porque, desde sempre, o mundo não foi feito somente para os heterossexuais (como se acreditava que tinha que ser). Os homossexuais sempre existiram e estão aí gritando cada vez mais forte e em maior quantidade, pelo seu espaço. E neste grupo menina também entra.
Milhares de meninos e meninas têm assumido que a sua preferência sexual não é pelo sexo oposto, como foi convencionado. Têm sido corajosos em encarar, a meu ver, o pior de todos os preconceitos. Afinal, você não escolhe ser negro, você nasce negro. Já, ser homossexual depende da sua coragem em admitir. E que coragem!Muitas vezes os homossexuais acabam deliberadamente chocando as pessoas ditas normais, como forma de escancarar o direito de serem o que são, como são. E quer saber? Pouco me importa por que são. Não quero me ater às causas biológicas, psíquicas, sociais, emocionais. Não quero saber das conjecturas que pouco tem esclarecido sobre a raiz do “problema” que, para mim, não é problema.
Procuro apenas entender o coração destes meninos e meninas, homens e mulheres, que os faz diferentes das outras pessoas, mas não os torna causadores de mal ao mundo. Quero refutar a hipocrisia de uma sociedade falsa que, reverencia os cafajestes, ovaciona personalidades medíocres, endeusa os ladrões, absolve os assassinos, ignora os corruptos, mas condena e despreza os homossexuais.
O que deve ser normal ou anormal aos olhos de Deus? Nunca li nada que definisse isto. Então, aos que se consideram exemplares normais, puros e perfeitos, uso as palavras do Mestre: - Joguem a primeira pedra! Aos anormais, uso as minhas:- Sejam felizes!