Romance

É chegado o momento em que o meu bichinho interior, místico no melhor sentido – que é o sentido do não-misticismo –, grita: escreva algo! Mas que seja algo incômodo como vômito. Não menos que isso. Não precisa ser bonito como um olho de cadela vira-lata, como praia de areia branca, como um desfile de manada de elefante em savana africana, como tinta vermelha derramada, como bunda de mulher jovem, como um grito, como o silêncio. Não tem que ser bonito. Não tanto. Há coisas menos bonitas que essas e ainda assim são lidas. O texto não tem, necessariamente, que carregar o supra-sumo da beleza, nem tampouco e força de mil dinamites. Mas é necessário que tenha odor, alguma cor, alguma textura interessante, alguma verdade.

Um romance? Ou novela, como chamam lá fora, que é um nome bem mais adequado que romance. E qual seria a minha linha condutora? Não sei contar histórias longas. Não sou um bom contador de histórias. Ou talvez sim. Talvez eu as conte tão bem e eficazmente que elas ficam pequenas até para os padrões de um conto médio escrito. Há quem não compreenda o meu poder de síntese. Sei lá. Talvez, na verdade, as coisas que quero contar não caberiam num conto. Pensando bem, não mesmo. E, sabem de uma coisa? Esse negócio de escrever livros é apenas uma desculpa que os escritores tem para arrumar conversa com as pessoas. O que eles querem é apenas conversar. Mas, como na maioria das vezes eles são uns chatos – e mesmo sem ser propriamente um escritor, eu me incluo nisso –, eles fazem livros pra puxar assunto com outros chatos que são os leitores. O tema, o enredo, a forma, tudo fica irrelevante diante do desejo que arde dentro do coração do escriba. O desejo de conversar. Falar tudo o que pretende e ainda ser ouvido com respeito e admiração. E isso todos querem. Só que cada pessoa busca este objetivo, comum a todos, à sua maneira: seja escrevendo um livro, seja escrevendo um simples poema, seja preparando um bolo delicioso, seja fazendo um belo gol, seja entregando-se voluptuosamente ao ser querido. Eu ia usar a palavra “amado”, mas achei melhor “querido”, que significa desejado. As pessoas são mais desejadas do que amadas. Sem falar no desequilíbrio que têm os casais – todos eles –, onde um dos parceiros deseja mais que o outro, é mais dependente que o outro e toma conta do outro.

E aí o capetinha chega no meu ouvido e fala: escreve um romance, porra! Eu não sei. Romance tem que ser grande. E eu já estou acostumado com a idéia de coisa pequena, como é a vida.