o mau humor de um gato velho

Humor é sinal de inteligência. Pelo menos foi isso que o papagaio pensou, pois já tinha ouvido aquela frase muitas vezes na mídia. Sempre que a dona da casa ligava a tv lá estava ele empoleirado e observando a tudo e imitando a todos. Seus gracejos faziam sucesso na sala de estar e até os vizinhos conheciam sua fama. Já o gato não achava graça nenhuma naquilo. Chicão, castigado pela idade, já não tinha o mesmo ânimo de sair por aí pulando muro atrás de aventuras, sua vida agora se resumia a beber leite e ficar coçando o pêlo embranquecido enquanto observava aborrecido as estrepolias do Teco, o papagaio. Era só tocar uma música funky e lá estava o Teco cantarolando e balançando o rabinho, fazendo todo mundo rir. Todo mundo menos Chicão.

Quando a casa estava vazia e Teco ficava sozinho com Chicão, o papagaio dava um jeito de ficar mais quieto. Afinal o gato velho não reagia a seus truques e não tinha muita graça, mas ainda assim se metia a criar debates com o felino. Nessas ocasiões fazia cara de sério e soltava uma frase como era de seu feitio. E não foi diferente naquele dia:

- Humor é sinal de inteligência - disse.

- Quem disse isso? o pessoal do Pânico? você perde mesmo muito tempo com essas besteiras - disse o carrancudo Chicão.

- Não, foi na MTV.

- Pior ainda.

- Deixa de ser chato.

- Acho dificil.

- Chato, velho e burro.

- Acha mesmo isso? pois eu lhe digo que hoje em dia eu passo muito tempo tentando achar o meu senso de humor e quando eu o encontro fico tentando descobrir se a minha inteligência está junto dele. As vezes quando consigo encontrar um pouco de inteligência no meu cérebro o humor já não está mais lá.

Chicão se sentia meio perdido. Olhava a televisão com todos aqueles programas em que os apresentadores correm para a entrada das festas de ricos para entrevistar alguma das tais celebridades, e pensava que o humor tinha perdido a graça, por mais ambigua que fosse essa afirmação vinda de um mamifero peludo. O que aconteceu com tv pirata? E os velhos tempos do Chico Anísio? perguntava para si mesmo bebericava desanimado o leite.

- Chato, velho e burro!

O papagaio repetia aquilo e dava cambalhotas.

- Prefiro ser chato e burro a achar graça nessa ironia de pastel de botequim que voces jovens gostam hoje em dia.

Chicão costumava ler nos velhos livros da dona da casa sobre a ironia fina de um tal Machado de Assis, um contador de historias que viveu há muito tempo atrás, e ficava ferozmente convencido de que os irônicos de hoje não passam de uns simplórios.

- Você tem mania de perseguição, Chicão.

- Arrrrrf...

Chicão virou para o canto e foi tirar uma soneca.

- Chato, velho e burro.

O papagaio virava mais uma pirueta e saía cantando pela casa.