NOVAMENTE O LAGARTO EM MEU QUINTAL

Havia dentro de mim uma paisagem desértica, árida, um aperto e perplexidade naquela tarde de céu cinzento em que os morros próximos que desciam até a praia pareciam me sufocar. Estava apoiada ao batente da porta dos fundos da cabana de madeira e ouvia o ruído de uma natureza reprimida impiedosamente pela presença crescente de casas e gente. Por trás do muro alto toda uma vida ainda um tanto agreste gritava sua existência e lançava seus cheiros e sons no ar abafado. Foi quando ele surgiu inesperadamente, tão estranho sobre aquela grama aparada do grande terreno ao redor da casa. E no mesmo instante fez-se entre nós uma mágica conexão. Eu esqueci toda a minha angústia, fiquei imóvel e atenta ao lindo réptil que se movimentava devagar em trajetos enviesados. Pronto, eu fazia novamente sentido na paisagem. Aquele animalzinho era uma resposta a qualquer de minhas perguntas ansiosas, e imediatamente, meu corpo se aqueceu diante do réptil de sangue frio e eu o amei intensamente por estar ali e me dizer que apesar de tantos anos passados eu ainda podia sentir uma alegria totalmente gratuita, sem preço, sem obrigações a cumprir, sem projetos, sem passado nem futuro, tal como na minha infância longínqua. Inesperadamente o animal que me habita teve oportunidade de emergir das profundezas neste encontro surpreendente, rompendo as barreiras dessa artificialidade da qual nos fizemos escravos, abrindo os portais que se fecharam pela longa estrada do ser humano em busca do "progresso". E então um simples lagarto foi capaz de afastar todas as minhas apreeensões de bicho enjaulado e o elo entre o meu mais profundo ser com a natureza produziu o milagre. Teria ele ouvido esse meu chamado?

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 26/01/2009
Reeditado em 27/01/2009
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