As muriçocas intrigantes

Complexo demais para eu compreender. Não consigo, eu tento, tento e me perco em divagações intermináveis. Não durmo, pouco me alimento: como estar num labirinto que sei ser circular e vicioso e no entanto pouco controlo o caminho nos momentos em que caminho, porque parar e´ mais fácil. Tanta coisa que considerei, até ontem imprescindíveis, agora estão assim, deslocadas dentro de mim. Perdidas pelo mesmo labirinto que não vejo onde começa, pois o fim e´ o mesmo pra todos.

Pequenas coisas que antes eram imprescindíveis, hoje se esvaem entre meus dedos magros de controle. Pouco mais feliz, pouco mais confuso, pouco mais perplexo e o tempo correndo sulcos no meu rosto.

Mosca na sopa que esfriou, mas estava sem sal. Uma fruta ou outra, um legume ou outro que apodrecem na geladeira terracota.

Rua. Preciso de ar. De mais espaço!

Carros, transeuntes, querelas, verdades, mentiras lapidadas por entre uma amplitude melhorada de emoções e experimentos numa vida mais tranqüila, que apodrece ao mesmo tempo em que cheira mal os seus disfarces.

Como se não bastasse, livros não lidos, roupas nunca usadas e alguns frascos de perfume enjoativos, que ficam no armário até que alguém de pouca intimidade os peça para si. Essas gentes sempre aparecem em nossas vidas. E nessa vez, pensamos que elas poderiam trazer consigo alguma mudança, alguma fruta mais fresca. Elas nunca voltam, nunca trazem nada se voltam. E de toda forma, a vida corre e elas ficam, dizem-se fazer parte de nossa vida, mas que? Nem sabemos direito o que pode ser tachado assim, vida... Abotoamos um sorriso fosco e olhamos o reflexo nosso de cada dia, por entre um vão de espelho bonito e dizemos bom dia com a esperança de que seja assim. A noite sempre vem para os que permanecem.

Permaneço um tempo contemplando o emaranhado cinzento dos apartamentos ao redor. Tudo é tão, provocado! : cada atitude, uma conseqüência, chuvas, tormentas, insolações, verões e invernos. Não compreendo onde tudo isso vai chegar ou o porquê de se chegar ou se precisamos mesmo sair do nosso lugarzinho confortável de dentro de nós, que no entanto nem sempre tem tanto conforto assim. Novamente estou no mesmo lugar desse labirinto, eu ainda tenho consciência que não sairei de mim tão cedo, a menos que a fatalidade esteja cravada nas linhas da minha mão.

Sinto vertigem ao olhar que as marcas estão nítidas, todas lá, pra quem quiser conferir. Ninguém reclama o prêmio. Ninguém percebe que estou me sentindo num vertiginoso rodopio junto com a Terra ao redor do Sol. Ninguém me percebe, sou apenas mais um incógnito entre tantos outros que tem o mesmo rosto meu. Então respiro fundo, três vezes, esfrego as mãos: gero mais energia de dentro de mim- esse mesmo mim que terminantemente recusa-se regressar onde o ponto é reta e a reta, círculo. Todavia não há atalhos.

Acusações egóicas e descontroles tormentosos, turbulências na busca de um povoado fantasma que vivifica justificando os meus íntimos fantasmas de lençóis encardidos. Agora não estou mais criança. Meu peito tem pêlos e minha barba precisa de aparos quase que diariamente.

Todo mundo passa célere diante meus olhos, mas eu não sei que direção tomar, como voltar ao mim que outrora via refletido no espelho, qual?! Cadê aquele espelho com detalhes em ferro colonial que eu pensava que se olhasse muito e depois de certa hora, veríamos alguma entidade manifestada de outra dimensão. A dimensão agora são os boletos que atrasam, a roupa que suja e, que depois cheira mal porque foi seca à sombra em dia de chuva. A chuva ainda é vida. Mas que pode matar, fazer sofrer, destruir.

O espelho voltou ao seu estado de vidro, foi tomado pelas tecnologias e hoje talvez seja um bonito vidro reciclado.

Essa tecnologia me monitora a cada segundo e encontro portais que não tem mais chaves. Tudo que parece luzir, com a poeira e o monóxido de carbono vai perdendo o brilho, ficando opaco, opaco. Pisco forte e suspiro, tá tudo ai! Diante de mim. Todo mundo sabe que devemos nos esforçar para vivermos na FELICIDADE de cada dia, de cada momento, não importa se tem gente que morre de fome, que sente frio ou que rouba e mata, na vida barata tostão tem muito valor. Prometo que vou me cadastrar no Greenpeace e vou ajudar a salvar as baleias!

Será que não ter muito a escolher é uma escolha? Estar feliz por comparação é felicidade?

Tudo talvez e talvez e novamente talvez seja o pequeno e breve emblema de uma insensatez ou de um desses reality shows, encenação sem texto, sem atores, sem texto, sem encenação até, nem gestos ensaiados.

O bolo no estômago ficou mais forte agora. Ficou maior e mais indigesto, mesmo que eu pudesse gritar, as palavras faladas me conduziriam a um silêncio magnífico. Fora de mim, tudo igual, as pessoas correndo, os prédios cinzentos, a fumaça dos carros enlouquecendo a avenida. Pequenas plantinhas daninhas insistem em viver, vidas correndo com caras transparentes na esperança daquilo mesmo tudo que vier. Sempre há mais um copo de vidro, talvez do espelho que virou copo, ou que virou garrafa, de água a um sedento anônimo, quem sabe : um pedaço de pão francês a um mal-agradecido.

Olho para o céu, nublado como sempre, e tento encontrar os nós que me trançaram os pensamentos dessas todas vivências repetíveis, implorando sair desse labirinto. Esse cordão não existe, se existe eu não enxergo, é invisível. Míope, estagnado, mas tendo que agüentar umas e superar outras.

Tudo é a certeza de eu estar me repetindo a cada pensamento, sem nada de novo.

Resta recolher os cacos de mim, juntar as peças. Quem sabe ainda eu me torne um abajur.

Lágrimas ficaram doces e sem abundância, as escolho quando e porque as deixar rolar. Não me dou a esse trabalho todo. Não serve pra nada.

E se tristeza não há, cadê a alegria de cada momento? Onde estará a tal esperança? Esperando guardada por um ser mitológico fantástico que a libertará. E então sairão ao mesmo tempo mais dores e mazelas? Desconhecidas por nós, os fracos e humanos?

Saliva.

Estou com muita sede.

Aqui tem pernilongos, tem moscas, minhas companheiras e confidentes.

Hoje eu vi no jornal que querem acabar com o mosquito da dengue. Erradicar essa peste. Tão pequenos e tão poderosos, podem matar pessoas!!! Acho que nem sentem quando são esmagados. Seres que não pensam, não sentem, não sofrem.

Tudo o que eu mais queria, agora, fazem por instinto, nem desconfiam: podem, todos, voar.

Voar. Voar!!!

Meus pés estão úmidos fincados neste chão: acho, hoje vou ter chulé.