Como se eu estivesse de férias.


        Janeiro é sempre como se eu estivesse de férias. A vida corre devagar e eu não gosto de viajar durante a alta temporada de verão. Fico em casa e vou trabalhando molemente. Faço uma horinha na minha Fábrica de Pão e depois vou para o meu emprego público. E fico lá, quase sozinha, a tarde toda. Os funcionários de férias, quase coletivas. Só eu e o Christie ficamos por ali, mas têm dias que nem o telefone toca. E quando toca, é engano. O Edgar fica na portaria e eu levo livros para que ele leia e não durma frente à porta da rua. Eu fico ali bolando coisas que é disto que eu gosto, mas até a internet pifou, o que atrapalha as minhas pesquisas.  Uma reunião aqui outra ali para decidir a agenda anual. Os projetos parados, só começam com as aulas. Os eventos culturais só depois do Carnaval. Janeiro até parece o rio que corre no fundo da casa que foi de minha avó. Mansinho, mansinho. No inverno, é claro, porque no verão ele extrapola. Está chovendo muito, mas dá para encontrar amigos que chegam para matar a saudade, curtir a família que vem para as férias. As férias de verdade, não as minhas, que só parecem. Então a gente sai para tomar um vinho, visita um ou outro, ou reúne os visitantes na cozinha à beira do fogão. Levanto tarde e deito mais tarde ainda. Mas o que me dá esta sensação de estar de férias é que deixo a cuca ficar fresca, descansando. Até minhas leituras são leves. Neste janeiro, por exemplo, fui a minha livraria predileta e comprei todos os livros que achei do Andrea Camilleri.
Andrea Camilleri é um escritor italiano de livros policiais. Escreve outros livros também, mas não tenho nenhum interesse em ler. Só os policiais. Ele criou um comissário de polícia, Salvo Montalbano, por quem me apaixonei. Policialmente falando porque não estou mais na pré – adolescência para me apaixonar por personagens. Mas já fui apaixonada por muitos, ah, se fui! Pois o Salvo é fora de série. O incrível é que não consigo imaginá-lo. Penso em um cara bonitão, charmoso, assim como o Mastroianni em sua fase áurea. Mas não adianta, logo vem à mente um cara gordo, muito gordo, sem nenhum atrativo. O autor não o descreve fisicamente, mas deixa claro que ele é um glutão. Um gourmet glutão. Pois ele descreve tudo o que come. E a quantidade. Salvo é o comissário de polícia de uma cidade fictícia na Sicília. Uma cidade de porte médio dominada por duas famílias mafiosas ridículas. Vigàta é o nome da cidade portuária, atualmente pouco importante comercialmente. Ele gosta muito de viver nessa cidade a beira mar e se recusa completamente a ser promovido. Como nasceu em 1950 e as histórias se passam em sua maioria nas duas últimas décadas do século passado ele ainda não completou cinqüenta anos. Tem uma mulher que mora em Gênova e uma amiga especial. Algo assim como uma amizade colorida. E lê, Santo Deus, como ele lê. Fala palavrão sem parar e o seu humor varia conforme o tempo. E tem ainda um senso de justiça completamente particular. Seu método para resolver os crimes é o “estalar”: ele está lendo, ou comendo, ou andando de cuecas pela praia e aí de repente lhe dá um estalo e ele resolve o que parecia irresolvível. Do dia 14 até o dia 23 li cinco livros dele. Agora chega. Acho que saturei. Este ano então em que planejei não planejar nada parece até que o Ano Novo nem começou. Como se o tempo estivesse parado a espera que eu o ponha em movimento. Vamos ver, vamos ver...se também me dá um estalo e eu me coloque em movimento.