O olho da imaginação (sugestão de tema por Maria Olímpia)

Quando eu tinha cinco anos, havia um terraço que dava para a porta da sala na casa de meus pais. Minha mãe encerava. Eu lustrava com um escovão, pois gostava de ser útil a ela, sempre tão atarefada e cuidando ora das roupas, ora das panelas, ora das crianças. Penso que quem tem menos que cinquenta anos terá alguma dificuldade para saber o que é um escovão.

O dito tinha um cabo, como uma vassoura, era de ferro e por baixo do ferro,havia um tipo de feltro ou lã para dar brilho nos assoalhos e vermelhões (talvez também não saibam o que é). Isso antigamente, quando se usava encerar o chão e as cêras não vinham com auto-brilho. Ou os pisos eram de assoalho ou feitos de cimento, pintados de vermelho, em geral, e que se costumava encerar nos dias de faxina.

Meu irmão mais novo sentava no escovão e eu dava lustro, carregando, não só o peso do ferro do escovão, quanto o danado do Wilson. Penso que ele se lembre disso ainda. Ficava um brinco. Depois de pronto, eu e ele alternávamos num tapete, que o outro puxava e brincávamos por um bom tempo. Puxa, os brinquedos eram simples, mas bem criativos na minha infância.

Eu tinha medos como qualquer criança. É parte do crescimento e da formação da mente e do emocional do ser humano. Mas penso que tive uma dose adicional de imaginação, o que me fazia ter mais medo nas minhas viagens fantasmagóricas.

Bastava um filme do seriado "Quinta Dimensão" para eu ficar espremidinha na cama, na hora de dormir, toda de um lado só, coberta até o último fio de cabelo. Pensando agora enquanto escrevo, talvez meu irmão Luiz, terrível ele, tivesse me pregado muitos sustos, nada de anormal, pois ele me fez chorar muito, mas só até eu adquirir imunidade a irmãos mais velhos terríveis, de modo que eu vivia mesmo era assustada. Sem contar as lombrigas que a gente costumava ter, de tanta vontade que a gente passava. Mas isso fica pra outra crônica.

Pois bem, no meu quarto, onde meu irmão Wilson e a minha irmã caçula Elaine, dormíamos, três camas enfileiradas, com a luz da cozinha na nossa cara, o que fazia com que eu demorasse a pregar o olho. Desde cedo eu brigando com a dona insônia. Ninguém pensava em mudar a decoração para o bem estar das crianças nem existia Feng Shui.

Assim é que, toda noite, havia uma silhueta magra, próxima à porta, que me espreitava. Direto para minha cama, ali ela ficava sem arredar o pé, e eu acabava me entregando ao sono, mas a minha cabeça caraminholava tanta estória antes de dormir. Tantos pressentimentos, receios, desejos não falados a ninguém.

E a tal da mulher da silhueta magra ficava com braços abertos, inerte. Quase todo noite mudava de figurino, conforme as mudanças climáticas. Minha mente vagou muito e quanto sono eu perdi olhando para a enceradeira que meu pai comprara e que substituía, finalmente o escovão.

Sônia Casalotti
Enviado por Sônia Casalotti em 24/01/2009
Reeditado em 26/01/2009
Código do texto: T1402393
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