O pavor das crianças
É triste - dói-me constatar - mas hoje em dia não se tem mais o direito de ser criança.
Lembro-me da desagradável impressão que me causou a belíssima demonstração que a Força Aérea Brasileira realizou em comemoração da "Semana da Asa", numa homenagem a Santos Dumont. Refiro-me à impressão que me causou o pavor estampado nos olhos dos pequeninos - as crianças de hoje - ao serem lançadas, pelos jatos brasileiros, umas pouquíssimas bombas incendiárias, ao longo da encantadora e poetíca praia de Copacabana. Os pequeninos se agarravam aos pais, aterrorizados, como se buscando abrigo, como se as bombas lhes fossem atingir.
Até então, eu falava com os meus pensamentos. Tenho o verbo fácil, como dizem alguns amigos, e me perdia em comentar a beleza do vôo daqueles pássaros metálicos que cortavam as nuvens zombeteiramente suplantando tudo o que já pudera sonhar o homem.
Calculava o poderio daquelas bombas, a sua capacidade de destruição.
Encantavam-me o troar da metralhadoras sobre os alvos, colocados a algumas milhas da praia. Era uma daquelas ocasiões em que o nosso pensamento voa, extasiado, e a nossa imaginação viaja com avidez, visitando paragens desconhecidas. Ali estava eu, matutanto no encanto das forças de destruição...
Foi assim, nesse estado de espírito, que voltei a atenção aos angustiantes soluços que se sucediam ao meu lado. E ali, a poucos passoa de mim, vi as crianças de hoje, apertadas contra o peito dos pais, num indescitível pavor.
Calei meus pensamentos, envergonhado. Como um desprezível vendilhão expulso do Templo de Deus, o belo quadro foi expulso do meu espírito, dando lugar à inocência.
Só então pude ver o outro lado... o lado triste das guerras. Como um pássaro liberto, lá se foi novamente o meu espírito para a Europa distante, e, padecendo com ela, para a mais distante China. Comecei a imaginar o que devem ter sentido as crianças de Berlim e de Londres. Brancas ou pretas, européias, americanas e asiáticas, as crianças são sempre crianças e delas me apiedo, porque não podem defender-se sozinhas. Mais tomou-me a angústia quando recordei que, às vezes, me apiedo de mim mesmo, porque já me senti indefeso como uma criança. O maior mal é que nem todas recebem carinho, sem o que poucos podem sobreviver...
E ali estavam as crianças amedrontadas e os pilotos fazendo suas belíssimas evoluções, indiferentes a tudo.
... Imagino os pequeninos das Ilhas Quemoy!