Cabeça de escritor
 
 
        Cabeça de escritor é mesmo uma coisa louca. Principalmente quando encontra quem lê o que ele escreve. Mesmo que seja um só leitor ela (a cabeça) se assanha e começa a dar ordem aos dedos para escrever bobagens. Veja por exemplo esta minha história da mulher magra. Ela existe realmente e nós a vimos em Olinda por duas vezes. Meus amigos e eu. R. uma das de minhas mais antigas e preciosas amigas, seu marido, o cientista pernambucano, de renome internacional, premiado com as mais altas comendas do país, seu filho, a nora e a netinha, o cientista francês e uma amiga de minha amiga que eliminei da história porque já tinha gente demais. De tão magra que era a mulher nos impressionou realmente. Impressionou tanto que senti medo não dela, mas de ser como ela. Senti também certo conforto em minha robustez que nunca me fará ser chamada de Olímpia Palito, como já fui, certa vez.   Passei a tarde comendo sem culpa. Quando voltamos para Recife fomos nós quatro para um bar a convite do cientista francês e mais que comer, eu bebi. Caipirinha, acompanhando o francês. Tinha me esquecido que o grande porre que tomei em minha vida quando ainda estava na faculdade foi bebendo caipirinha. Tinha me esquecido também que daí para frente caipirinha em minha vida sempre foi com muita parcimônia. Uma, e olhe lá, só de quando em vez. Da primeira vez minha amiga S. e eu saímos da Faculdade e começamos a beber. A Faculdade era bem perto de minha casa, mas me lembro que quando decidimos ir embora, ela tendo que tomar o ônibus e eu não, exigi que ela tomasse o ônibus na porta da minha casa para me acompanhar até lá. Lembro-me, ainda sentindo as sensações, que ao deitar minha cama girava em tal velocidade que me fez recordar aquelas mulheres presas em um painel giratório enquanto o atirador de facas vai contornando o seu corpo. No dia seguinte, pela manhã, não sei por que cargas d’água minha mãe permitiu que outra amiga minha entrasse em meu quarto. E ali ela me convenceu a fazer duas coisas, ainda sob o efeito do tal porre: a comprar uma coleção encadernada das obras de Jorge Amado porque ela estava precisando de dinheiro e a assumir seu lugar frente a uma turma de jovens católicos a fim de aconselhá-los sobre a vida. O que sabia eu sobre a vida então? Nada. Mas a amiga convenceu-me lançando um argumento baixo. Estava apaixonada por um dos jovens e o marido começara a desconfiar. E lá vai a tonta ensinar a jovens pouco mais jovens do que ela a viver, eles que certamente sabiam bem mais que ela da vida. Por isso eu evito tomar caipirinha. Mas lá em Recife, a beira mar junto de amigos sérios, baixei a guarda. E foi ai que eu comecei a falar inglês sem parar, feito que tenho certeza não repetirei. E jurei que se duvidassem eu falaria também em francês e latim. Ainda bem que ninguém duvidou.
      Já há algum tempo eu planejava contar esses dois episódios, não necessariamente no mesmo texto. Foi aí que de repente eu comecei a reler o livro de contos de Raymond Carver, o mestre do minimalismo norte-americano, Fique quieta, por favor. A primeira história que li, foi a do Homem Gordo, mas tão gordo que falava de si mesmo no plural, como o fazem certos imbecis brasileiros, principalmente os da classe política. Nós.  Na mesma hora veio a minha cabeça a imagem da mulher magra e vi que tinha chegado à hora: resolvi contar a sua história agregando as lembranças de minha infância quando realmente vi uma girafa caminhando pela margem do campo de futebol, o pescoço crescendo à medida que se afastava de minha vista e sumia no horizonte. Acredite quem quiser, mas é fato que desde pequena a louca da casa (a imaginação) mora no meu sótão. Quando ela me pega de jeito não consigo escapar.