Não há Duas Sem Três
A enfermeira Inês estacou por um momento com a seringa na mão e o seu olhar perdeu-se para lá da janela que permitia ver as platibandas de roseiras vermelhas. Não reparava nas flores, nem no pátio térreo onde cresciam dois plátanos imponentes. Lembrava-se da noite anterior. Da memorável e agitada noite passada entre lençóis com o homem que não lhe dava um segundo de descanso à memória. Parecia que voltava a sentir todo o frenesim de excitação arrebatadora que tomara conta do seu corpo horas a fio. Pouco dormira. Mas não sentia sono. Estava em alvoroço, cumprindo mecanicamente as tarefas do turno da manhã no piso da Geriatria do Hospital. Nem os tratamentos mais duros ou complicados lhe conseguiam roubar o sorriso esplendoroso do rosto. Enquanto removia o tecido morto que as pomadas de desbridamento enzimático haviam soltado durante a noite observava a admirável capacidade da natureza de reparar as feridas. Onde as suas colegas viam o asco e a repulsa nas escaras de decúbito dos acamados, Inês salientava a harmonia e a sapiência das coisas vivas, que lentamente transformavam o putrefacto em tecido novo. “ La vie en rose”! Tudo era cor-de-rosa. Passou os olhos no espelho da casa de banho e não conseguiu deixar de esboçar um ligeiro sorriso de escárnio para si mesma. “ Inês Baltazar Maltês” a tua vida é uma anedota! Tal como o teu nome que rima e que parece ser um prenúncio de um engano cómico. Cósmico.
Cinco anos vivera com um homem que trazia um filho de outro casamento. Nem sequer se podia dizer que vivera com ele. Costumava mudar-se para casa dele aos fins-de-semana. Nos dias úteis ele estava muito ocupado em girar em redor da órbita do seu impertinente pré-adolescente favancas. Os treinos de futebol infantil do Carnide Futebol Clube eram o seu objectivo de vida: “ enquanto ele estiver entretido com o desporto não se mete em drogas”. Tinha más notas, roubava uns telemóveis, mas a culpa era dos professores, da mãe que o abandonara, e da falta de uma figura feminina na vida do menino. Por isso era com custo que Inês o tentava repelir quando a apertava em brincadeiras que não lhe pareciam muito próprias entre madrasta e enteado de 13 anos.
O miúdo comunicava-lhe com os nervos. Por mais que tentasse gostar dele não conseguia deixar de o considerar um puto idiota, narcisista e manipulador.
Adalberto Cortês era um bom homem. Para além disso, e de cozinhar bem, nada tinha de especial. Trabalhava como ajudante de despachante alfandegário, uma profissão em vias de extinção tal como os homens de bondade extrema. Era hábil no seu trabalho pois valia-se da capacidade de choramingar de modo muito simpático o que se verificava muito útil a convencer funcionárias públicas a desembaraçar papeladas de modo eficaz.
Não possuía um pingo de imaginação. O seu vocabulário escasso era suficiente para falar de futebol e regatear o preço das hortaliças com as vendedoras do mercado municipal.
Os fins-de-semana de Inês eram passados a engomar a roupa dos dois marmanjos entre refeições faustosas que o Adalberto preparava com dedicação. O pouco tempo que sobrava era para se espapaçarem os dois no sofá a ver televisão.
Na cama, o filme era sempre o mesmo: “ a cama range e o menino pode dar conta”; “ os vizinhos podem ouvir”;”no chão? estás parva?”
Inês lá foi desistindo. Contentava-se em masturbar-se ao lado da múmia que ressonava que nem um porco. Mas era tão bom moço...
Um dia, saturada de passar os dias sozinha à espera de ser engomadeira de fim-de-semana bateu com a porta.
Ele mal deu por isso, que os treinos tomavam-lhe muitas horas diárias e às sete já tinha de estar no aeroporto.
Um dia lá lhe confessou pelo telefone que desde que ela se tinha ido embora lhe acometera uma vontade inusitada de ver filmes com homens. Não estranhou. Estava tudo explicado por fim. Inês ganhara vinte quilos em cinco anos de convivência com um cozinheiro fantástico, homossexual não assumido. A primeira anedota chegara ao fim.
Inês terminara o turno da manhã e preparava-se para sair do serviço quando recebeu um telefonema. Não iria ter uma noite inesquecível com o seu amor de sonho como combinado. A namorada oficial do amante perfeito decidira reclamar o que era seu de direito nesse dia.
Restava-lhe chegar a casa, no Casal do Cotão, bairro modesto do coração caótico do Cacém, devorar uma caixa de mon cherry e dois Xanax para repor as horas de sono que tinha em falta das três noites de sexo acrobático e escaldante.
A pasmaceira de cinco anos dera lugar a seis meses de uma montanha russa emocional.
Inês atravessou a estrada até ao carro sorrindo de si mesma, do sentido de humor do destino, que lhe reservava pérolas de ironia para que nunca se esquecesse que a sua vida nada mais era senão uma anedota. Assim provava o nome do seu amante: Joaquim Montês.
A enfermeira Inês estacou por um momento com a seringa na mão e o seu olhar perdeu-se para lá da janela que permitia ver as platibandas de roseiras vermelhas. Não reparava nas flores, nem no pátio térreo onde cresciam dois plátanos imponentes. Lembrava-se da noite anterior. Da memorável e agitada noite passada entre lençóis com o homem que não lhe dava um segundo de descanso à memória. Parecia que voltava a sentir todo o frenesim de excitação arrebatadora que tomara conta do seu corpo horas a fio. Pouco dormira. Mas não sentia sono. Estava em alvoroço, cumprindo mecanicamente as tarefas do turno da manhã no piso da Geriatria do Hospital. Nem os tratamentos mais duros ou complicados lhe conseguiam roubar o sorriso esplendoroso do rosto. Enquanto removia o tecido morto que as pomadas de desbridamento enzimático haviam soltado durante a noite observava a admirável capacidade da natureza de reparar as feridas. Onde as suas colegas viam o asco e a repulsa nas escaras de decúbito dos acamados, Inês salientava a harmonia e a sapiência das coisas vivas, que lentamente transformavam o putrefacto em tecido novo. “ La vie en rose”! Tudo era cor-de-rosa. Passou os olhos no espelho da casa de banho e não conseguiu deixar de esboçar um ligeiro sorriso de escárnio para si mesma. “ Inês Baltazar Maltês” a tua vida é uma anedota! Tal como o teu nome que rima e que parece ser um prenúncio de um engano cómico. Cósmico.
Cinco anos vivera com um homem que trazia um filho de outro casamento. Nem sequer se podia dizer que vivera com ele. Costumava mudar-se para casa dele aos fins-de-semana. Nos dias úteis ele estava muito ocupado em girar em redor da órbita do seu impertinente pré-adolescente favancas. Os treinos de futebol infantil do Carnide Futebol Clube eram o seu objectivo de vida: “ enquanto ele estiver entretido com o desporto não se mete em drogas”. Tinha más notas, roubava uns telemóveis, mas a culpa era dos professores, da mãe que o abandonara, e da falta de uma figura feminina na vida do menino. Por isso era com custo que Inês o tentava repelir quando a apertava em brincadeiras que não lhe pareciam muito próprias entre madrasta e enteado de 13 anos.
O miúdo comunicava-lhe com os nervos. Por mais que tentasse gostar dele não conseguia deixar de o considerar um puto idiota, narcisista e manipulador.
Adalberto Cortês era um bom homem. Para além disso, e de cozinhar bem, nada tinha de especial. Trabalhava como ajudante de despachante alfandegário, uma profissão em vias de extinção tal como os homens de bondade extrema. Era hábil no seu trabalho pois valia-se da capacidade de choramingar de modo muito simpático o que se verificava muito útil a convencer funcionárias públicas a desembaraçar papeladas de modo eficaz.
Não possuía um pingo de imaginação. O seu vocabulário escasso era suficiente para falar de futebol e regatear o preço das hortaliças com as vendedoras do mercado municipal.
Os fins-de-semana de Inês eram passados a engomar a roupa dos dois marmanjos entre refeições faustosas que o Adalberto preparava com dedicação. O pouco tempo que sobrava era para se espapaçarem os dois no sofá a ver televisão.
Na cama, o filme era sempre o mesmo: “ a cama range e o menino pode dar conta”; “ os vizinhos podem ouvir”;”no chão? estás parva?”
Inês lá foi desistindo. Contentava-se em masturbar-se ao lado da múmia que ressonava que nem um porco. Mas era tão bom moço...
Um dia, saturada de passar os dias sozinha à espera de ser engomadeira de fim-de-semana bateu com a porta.
Ele mal deu por isso, que os treinos tomavam-lhe muitas horas diárias e às sete já tinha de estar no aeroporto.
Um dia lá lhe confessou pelo telefone que desde que ela se tinha ido embora lhe acometera uma vontade inusitada de ver filmes com homens. Não estranhou. Estava tudo explicado por fim. Inês ganhara vinte quilos em cinco anos de convivência com um cozinheiro fantástico, homossexual não assumido. A primeira anedota chegara ao fim.
Inês terminara o turno da manhã e preparava-se para sair do serviço quando recebeu um telefonema. Não iria ter uma noite inesquecível com o seu amor de sonho como combinado. A namorada oficial do amante perfeito decidira reclamar o que era seu de direito nesse dia.
Restava-lhe chegar a casa, no Casal do Cotão, bairro modesto do coração caótico do Cacém, devorar uma caixa de mon cherry e dois Xanax para repor as horas de sono que tinha em falta das três noites de sexo acrobático e escaldante.
A pasmaceira de cinco anos dera lugar a seis meses de uma montanha russa emocional.
Inês atravessou a estrada até ao carro sorrindo de si mesma, do sentido de humor do destino, que lhe reservava pérolas de ironia para que nunca se esquecesse que a sua vida nada mais era senão uma anedota. Assim provava o nome do seu amante: Joaquim Montês.