Diferenças necessárias

Na apresentação de um palestrante, minutos antes do início da palestra, o mestre de cerimônia citou dentre os itens formadores de seu conhecimento o de “estudioso do comportamento humano”. Nunca antes havia ouvido esta citação durante a explanação do currículo de qualquer sujeito. Por isto estranhei da mesma forma que considerei interessante; uma vez que sempre fui uma observadora do comportamento humano, todavia sem nunca ter incluído isto em meu currículo.

Comecei a praticar este exercício há muito tempo, e tomei como cobaia do meu experimento a primeira pessoa que precisava estudar e compreender: eu mesma. Sem dúvida iniciei pela parte mais difícil, uma vez colocar em prática a teoria de Sócrates que sugere “conhece-te a ti mesmo” vai mais além do que saber seu próprio nome, endereço e número do RG. E concluí que, conhecer-se a si mesmo admitindo seus pontos fracos e vulneráveis possibilita, antes de tudo, compreender e aceitar o outro.

Nos meus surtos inventivos que, teimam em violar a racionalidade dos meus pensamentos, imagino o criador debruçando-se sobre o planeta para observar de perto a miscelânea de comportamentos que ele permitiu que aqui existisse. Ou seja, estas diferenças gritantes entre você e seus vizinhos, não são por acaso. É através das divergências enfrentadas que os indivíduos vão sendo lapidados. Do contrário, sem a necessidade de esforço, jamais deixaria de ser uma pedra bruta. A tal pedra que Sócrates cantou há milhares de anos atrás.

Então se lê assim: Propositalmente Deus criou a todos à sua imagem e semelhança, todavia permitiu que durante a existência cada um recebesse as influências do meio, dos astros e sabe-se lá do que mais. Um mundo heterogêneo é o nosso lar e adaptar-se a ele é uma tarefa tão difícil quanto necessária. A convivência em grupo é uma grande escola a qual precisamos freqüentar para evoluir. Todavia são recomendados períodos curtos, em doses homeopáticas.

Visualizemos um grupo em excursão num ônibus. Na arrancada é só festa. Todos riem das piadas batidas. Aplaudem as cantorias nos diversos gêneros musicais desafinados. O PUM que o cara liberal soltou propositalmente é bem aceito. O chulé do vizinho é hilário. Ninguém se incomoda que ônibus pare quantas vezes for necessário para a senhora que sofre de incontinência urinaria. Dá até pra apostar que são modelos em série, todos iguaizinhos. Mas basta alguns quilômetros para se perder aposta. As diferenças fogem das malas.

O cansaço vai chegando, ao mesmo tempo em que as piadas vão ficando sem graça. A cantoria desafinada passa a agredir os tímpanos. O sujeito começa a ficar inquieto e irritado. Precisa urgentemente colocar os pés no chão, mais precisamente no chão da sua casa. E quando se dá conta que está confinado num espaço limitado, em que literalmente não pode firmar os pés para conservar o equilíbrio, a coisa cambaleia. No auge da intolerância, se o tal liberal ousar soltar mais um PUM, corre o risco de ser arremessado na privada com ducha da descarga garantida.

Ao final do passeio, entre isto ou aquilo, todos chegam sãos e salvos. Os ânimos se renovam; a intolerância se esvai, as diferenças voltam para as malas. E a vida continua, como uma longa excursão, cada qual carregando sua bagagem peculiar.

O criador lá de cima prossegue observando tudo. Sócrates ao seu lado argúi pensativo: “Espero realmente que, eu tenha contribuído de alguma maneira para o autoconhecimento da humanidade”. Respondo por mim: Não tenha dúvida Sócrates! Não tenha dúvida!

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 22/01/2009
Reeditado em 25/01/2009
Código do texto: T1398580