Bicho de sete cabeças
"_ No meu tempo, filho, era muito mais bonita a nossa língua. Era garboso escrever 'Pharmácia Athayde, Sabonete Phebo, Optica Ernesto'." Meu velho pai desabafava.
De repente a nova onda: Kevin, William, Yvone, Kátia. Nada de José, Joaquim, Maria Aparecida, das Dores, das Graças...
- Puxa, agora sim, a nossa língua ficou incrementada. Darei a minha filha o nome de Katylúcya!
- Que loucura é essa, menina? Essas letras não pertencem ao nosso alfabeto. Isso é coisa de quem não valoriza a sua própria língua. Estrangeirismo! Não, não e não! Escreva no bom português: Quelvim, Uiliam, Cátia e Ivone. Queitelucia. Certo!?
- Meu Deus, que horror! Imagine se darei a minha filha o nome escabroso de Queitelúcia!!
No entanto, multiplicam-se os Quelvins, as Cátias e os Uilians. Não é inglês, é português? Não é John nem João, é Jon. Não Michael nem Miguel, é Maicon. Nossa!!
"_Ah, paizinho, se ainda estivesse aqui... Que diria da nova ordem? Ficaria indignado, por certo. Seu sinal gráfico favorito. Cadê? Pois é! Desapareceu. Nada de trema! Eu tremo só de pensar no mal-estar que lhe causaria. Mal-estar ou malestar? Mal está. Querido pai, K,Y e W já nos pertencem também. Minha amada Katylúcya está salva."
Difícil essa nossa língua. Regras, regras e mais regras. Reforma ortográfica! Mais essa! Põe hífen. Não, tira o hífen. Acentua. Não, não acentua. Ufa! "Ai, socorro, papai! Que bicho é esse?"
Com tanta regra na cabeça estou chegando à seguinte conclusão que “Bom mesmo, Sr. Ignácio (ou Inácio), era naquele tempo em que eu não precisava saber fazer ‘um ó com o copo’”. Agora preciso passar no vestibular e a coisa se complicou. Quando penso que aprendi, tenho que desaprender e reaprender.
Não há como duvidar. Ela é linda, fascinante, esplendorosa, entretanto...
Ô, BICHO DE SETE CABEÇAS!!