As bodas

Num dia chuvoso qualquer do verão carioca, dois amigos conversavam no ônibus ao passar pela avenida atlântica. Lucas me contava da sua vida e de como havia adquirido uma letargia precoce na minha interpretação do que ele me contava. Ele dizia que recentemente havia notado algo que o estava incomodando, parecia que as coisas tinham perdido a graça; nada mais era como antes, no dia era aniversário dele e ele dizia que não sentia a excitação de outrora e não só em relação a isso, mas em relação a tudo. Encontrar-se com os amigos para um bom papo não causava aquelas lembranças das risadas mais, sair na noite para curtir as pessoas, dançar, beber e se divertir deixara de ser catártico. Ao me contar isso ele me questionava sobre o que poderia ser ou significar essa mudança, eu tinha uma suspeita que não comentei com ele na hora, mas que, creio, estava correta.

As pessoas sempre dizem que a rotina é o que acaba com o casamento. Mas quando não se trata de casamentos o que a rotina pode causar? Perguntando as pessoas sobre isso ouvi que a rotina pode ser entediante as vezes mas ela mantém nossa sanidade. Será verdade que o veneno do matrimônio pode ser o remédio da lucidez? No caso do meu amigo, após pensar sobre o assunto, eu cheguei a conclusão de que ele "casara-se" com a sua vida. Para muitos de nós sair para curtição sem limites, festejar ao máximo com amigos e abusar no consumo do etanol é algo pouco comum, são eventos reservados a dias que ficarão na memória por um bom tempo. Mas para Lucas nunca foi assim (desde que eu o conheço) porque sua vida é intensa e ferve de animação. Essa é a sua rotina.

Nós costumamos associar a rotina a um modo de vida monótono e repetitivo. No entanto quando a rotina consiste em muitas festas, diversão e amigos ela ainda pode levar a mesma conotoção? No caso de não poder o que ela é? Quando refleti sobre a sensação de perda do sabor de tudo do Lucas pensei no que havia mudado na vida dele para que ele mudasse sua visão e, principalmente, no que não havia mudado. Ao afirmar que ele levou sua vida para o altar quero dizer que ele chegou aquele estágio do casamento onde a velha chama não é mais tão forte, sua luz não cega e seu calor é imperceptível. Acabou a luxúria da lua-de-mel e já se prepara o aniversário de bodas entre desejos de renovação e receios de mudança.

Na vida a dois há uma cura para a rotina, quando um se vê fatigado do outro basta assinar papéis e esquecer os votos. Mas para nós solteiros parece não haver salvação, quando nos encontramos cansados de nossa própria rotina o que fazer? Não podemos nos divorciar de nós mesmos. Ou podemos? quanto mais eu procurava mais eu me aproximava dessa solução, mas como fazê-lo? Para alguns apenas um corte de cabelo serve para sentir-se transformado, mas existem outros que necessitam de algo mais radical, mais simbólico. O que será necessário para que esses recuperem o frescor dos fatos? Talvez uma viagem para um lugar onde fosse possível mergulhar dentro de si ou quem sabe uma novidade arrebatadora na vida estável.

A rotina de fato muda a vida da gente, as vezes para melhor porque ela se torna exatamente o que precisamos e as vezes para pior porque ela transforma cada dia numa retrospectiva do anterior tediosa e maçante. Para mim a rotina é o ato de fazer a mesma coisa sempre independente do que seja. Para o Lucas a rotina pode ter prejudicado a sua maneira de ver o mundo ou o que está acontecendo agora com ele pode ser resultado apenas do amadurecimento, no fim das contas sempre há o divórcio ou uma segunda lua-de-mel.