A novela ideal, ou, o povo gosta do que se oferece

A relação de um roteirista, ou aspirante a roteirista, com as novelas é uma coisa curiosa. Basicamente, os aspirantes a roteiristas se dividem em dois grupos: os que amam novela, vêem até as da TV Cultura, sonham em escrever novela e deixariam até o Gilberto Braga passar a mão em suas bundas. E os mentirosos, que dizem que não gostam de novela e dizem que jamais escreveriam novela, mas no fundo, no fundo adorariam escrever nem que fosse Malhação. O mercado ajuda, porque novela tem pelo menos seis por ano, só na Globo, e pelo menos alguns milhões de dezenas de espectadores diários, o que não ocorre com filmes, que precisam de patrocínio e esse nhenhenhé todo.

Ah, e tem um terceiro grupo também. Eu. Não vejo novela, não gosto de novela e não sonho em escrever novela. Só deixando uma coisa clara: se me pagar, eu escrevo até roteiro pro programa da Furacão 2000 ou as falas da Luciana Gimenez. Eu não mando cartas em rolos de papel higiênico de vinte e oito metros pro Aguinaldo Silva pedindo pra ser colaborador dele nem fico comentando no blogue da Glória Perez pra ver se ela me descobre. Mas não é porque é Cult falar mal de novela nem porque fizeram algum personagem veado com meu nome, nada disso. É uma questão, digamos, técnica.

Eu não gosto de duas características primordiais da novela: o maniqueísmo e o tamanho. Acho oito, nove meses tempo demais pra se contar uma estória. São muitos desvios, milhares de núcleos, dezenas de mistérios... Mas aí vão falar que novela é assim mesmo, várias estórias. Nananinanão. Procurem uma sinopse de novela. “Fulano ama fulana, que foge para São Paulo com o amante, um comerciante local, levando junto a filha recém-nascida no sertão da Paraíba. Fulano decide ir para São Paulo para se vingar da ex-mulher e buscar a filha, acaba se envolvendo com o crime e passa a tentar incessantemente se vingar de Fulana”. Isso são as linhas gerais de uma novela. O resto são sub-tramas, tramas paralelas etc. No final ninguém lembra porque a estória começou.

E o maniqueísmo, que espero que vocês já tenham ido ver no Google o que é. Eu adoro vilões. Na boa, gosto mesmo. Meus personagens preferidos são vilões. Mas nem toda estória no mundo tem que ter um vilãozão. Mas toda novela tem. É um cara que foi abusado quando criança, uma mulher que era gorda quando adolescente e agora quer se vingar do mundo todo, alguém que ficava de castigo tendo que ver o DVD duplo da Família Lima & Convidados, com Claudinho e Bochecha, Caetano, Jorge Vercilo e Los Hermanos fazendo participações especiais, enfim, sempre tem que ter um malvadão. Chato isso. Meus romances preferidos não têm um vilão fodão ou um mocinho imbecil nerd de camisa pólo. Eu sei que o povo gosta, mas será que o povo também não gostaria de um enredo legal, que contasse uma estória que não tivesse que ter um vilão-mor necessariamente? Como um filme, só que mais longo?

Eu acho, por exemplo, que novelas com cinco, seis meses seriam o ideal. Dariam pra contar uma estória bacana, sem um vilão que odeia o mundo todo nem um mocinho que dá esmolas sete vezes por capítulo. O Poderoso Chefão, Harry & Sally, alguns Woody Allen, são alguns filmes que dariam boas novelas com cinco meses de duração. Não iam ficar over nem iam ficar chatas. O povo gosta do jeito que é porque é o jeito que existe. Estórias menores, diferentes e mais ágeis, na minha opinião, fariam muito mais sucesso. E dariam mais dinheiro, porque seriam duas por ano. E se isso acontecesse, vocês iam se ver livres de mim, porque eu ia entrar na fila dos aspirantes a noveleiro. Por falar nisso, já vou começando a colar sete rolos de papel higiênico e escrever 89.546 “eu te amo” pra Glória Perez. Vai que alguém da Globo lê isso aqui e resolve mudar de idéia...