O eixo
Eis-nos pois, eu e minha mulher num feriado, rumo as areias brancas da praia meridional. Mas a aventura exige detalhamento, roteiro, traçado que conserva a mesma alegria de quem vai ao circo. Nós o sabíamos por hábito, de que janeiro se comporia de ótimo recreio através da estrada esburacada e perigosa ao longo das acácias. Quanto à seleção de objetos, dilema das escolhas parece universal a montanha de trastes que se movimentam na idéia banal do mar. A caixa de ferramentas deveria ficar na cidade. É para fugir das notícias do mundo que serve o mar. Para o descanso das agruras.
Há o problema do carreto. Desta vez Maria Cláudia encontrou um pequeno caminhão por indicação da madrinha. Quando cheguei encontrei os objetos ensacados a espera do motorista. Enfim encostou a velha caminhonete de frete. Aparentemente o veículo dava sinais de ser bem tratado pelo dono, simpática figura com dois únicos dentes na frente. (A odontologia precária do país do futebol). Após o carregamento subi com o motorista para o trajeto que se compunha da estrada sem acostamento onde acidentes horríveis ocorrem diariamente. Puxei assunto para afastar o tédio.
- Parece nuvem de chuva aquela...
- Está vendo a nuvem preta?
O caminhão seguia numa velocidade média de oitenta quilômetros por hora. O motorista murmurou.
- O eixo.
Um caminhão superior em tamanho peso e velocidade ultrapassou deslocando o vento até o vácuo.
- O que tem o eixo?
- Preciso trocar o eixo. Esse está pronto para ir para o lixo.
- Quer dizer que se o eixo arrebentar o caminhão pode desgovernar?
- Ah! Claro, né?
Ficava aberto que além do custo do carreto havia o preço da morte com os juros da sorte. Respondia minhas perguntas sem nenhum vestígio de preocupação. Ligou o som que ficava escondido debaixo da toalha, por prudência. Depois havia o calendário do santo. A música de versos simplórios tentava vencer o fator técnico. Precisava de mais três carretos para completar o valor da compra de um eixo novinho.