OS CRUZEIROS MARÍTIMOS E OS MICOS


Fazer uma viagem de navio, mesmo que seja apenas por um final de semana, é o atual sonho de consumo de muita gente.

Cheguei a fazer uma dessas viagens, na época em que havia uma ponte marítima entre as cidades de Santos e Rio de Janeiro, com saídas às sextas-feiras, à noite, e o retorno na segunda-feira pela manhã.

Isso foi lá pelo final da década de 60, mais precisamente em 1968, quando quatro transatlânticos faziam o percurso. Lembro-me do nome de três deles: Princesa Isabel, Princesa Leopoldina e Rosa da Fonseca, que foi no qual eu viajei.

Lembro-me até hoje desse passeio e posso garantir-lhes que é uma experiência inesquecível. Aqueles navios não tinham o luxo e a pompa vistos nestes de hoje em dia, que são verdadeiras cidades sobre o mar. Mas tinham muito mais charme, com tripulações que entendiam de navegação e relacionamento humano além de uma educação sem limites. Por educação sem limites, entenda-se também a dos passageiros. Não havia motivo para que os navios tivessem na tripulação aqueles gorilas travestidos de segurança.

E, a diferença das diferenças, os passageiros faziam esses cruzeiros simplesmente para passear, não “rolavam” drogas e nem excesso de bebidas alcoólicas como é comum nos dias de hoje. E também não havia mortes causadas pelos excessos.

O tempo passou, tais cruzeiros acabaram e o mundo seguiu muito bem o seu caminho, sem esse sonho de consumo.

O verão é a estação do ano onde muitos parecem ficar fora de si, com a mídia fazendo a cabeça dos idiotas de plantão. Tem que estar sarado(a), bronzeado(a), fazer aeróbica, sacudir o corpo como um(a) imbecil, comer apenas saladinhas insossas para manter a forma e... fazer um cruzeiro marítimo.

A cada temporada de verão aumenta a quantidade desses cruzeiros e desses transatlânticos que atravessam o Atlântico para realizar o sonho de muitos nesta terra tupiniquim. Na passagem do ano, nos mares de Ipanema e Copacabana, no Rio de Janeiro, a quantidade de navios ancorados era enorme para que seus passageiros pudessem assistir à tradicional queima de fogos na praia.

Resolvi escrever sobre este assunto em virtude de tantas ocorrências negativas acontecendo recentemente nesses cruzeiros. Talvez a mais grave, tenha sido a morte de uma estudante de Bauru que participava do tal “cruzeiro universitário”, que não é nada mais e nada menos do que uma algazarra a bordo, com atos de vandalismo explícito correndo solto a todo o momento. Isso foi no navio de bandeira italiana MSC Opera.

Mais recentemente, em outro navio da mesma MSC, desta vez o Sinfonia, 380 passageiros tiveram intoxicação alimentar (enjôos, crises de vômito, diarréia e dores abdominais) e o navio foi obrigado a permanecer em Salvador, Bahia, durante 40 horas por determinação da ANVISA. Depois disso foi liberado e seguiu viagem em direção ao Rio. A embarcação é a mesma em que uma pessoa deficiente física de 32 anos morreu a caminho do Recife (PE). Entretanto, segundo a ANVISA, a morte se deu por causas naturais e não há relação com a suspeita de intoxicação que acometeu os demais passageiros. Sem contar o caso de um transatlântico que encalhou em águas argentinas em outra temporada, causando muitos transtornos a seus passageiros.
Cruzeiros marítimos podem se transformar em verdadeiros produtores de micos, daqueles bem endiabrados. Evidentemente eu não tenho nada contra quem se predispõe a isso, mas meu precioso tempo eu não desperdiço numa aventura dessas.

A popularização desse tipo de turismo está levando à bancarrota aquilo que tinha um charme todo especial. Eu não tenho dúvida alguma de que essas empresas promotoras – em conchavos com as armadoras – fazem de tudo para gastar o menos possível, cobrando o máximo que puderem do incauto e “feliz” viajante. E oferecendo, digamos assim, atrações de segundo escalão. Duvido que os cruzeiros que se realizam pela Europa e Mediterrâneo, por exemplo, sejam como esses que se realizam por aqui.

Eu, definitivamente, estou fora dessa. Até gostaria de repetir a experiência de 1968, mas não tenho ânimo, disposição e nem coragem para tal.

Com a chegada dos anos, mesmo sem perceber, vamos nos tornando muito mais seletivos e procurando fazer apenas aquilo que nos acrescente algo de útil, algo de bom.

E, definitivamente, um cruzeiro marítimo não me oferece nada disso.


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