Para Sempre

Para sempre

Era um sábado chuvoso típico dos meados de Novembro lá de minha terra, há bem pouco tempo, era típico ainda em Outubro, mas os homens mudam e conseqüentemente até as estações mudam.

Felizmente, as mulheres permanecem as mesmas e ela era quase tão mesma quanto eu. Assim, eu a olhava achando graça no seu jeito pequeno de caminhar parecia levar o mundo inteiro dentro de sua preciosa pasta azul e talvez realmente o levasse, não dentro da pasta, mas nos olhos pequenos e castanhos que me olhavam atentos a fim de não perder um único detalhe da história.

Não sei se era os pingos da chuva ou talvez as vozes que eu fazia, o certo é que a ruivinha parecia encantada, e mesmo assim, ainda pedia por estórias de princesas e reinos distantes onde todos fossem felizes para sempre.

Por vezes, quando algo nos interrompia, com certa demora, ela pacientemente folheava o livro até a última página e então singelamente perguntava se todos foram felizes para sempre.

Percebi então, que seu entusiasmo não residia exatamente nas estórias, mas nos tais “felizes para sempre” e questionei-me sobre o que viria ser “para sempre” para uma criatura cujos anos de vida se contavam nos dedos de uma única mão.

Certo sábado, a ruivinha não apareceu, no outro, mesmo com o sol, ela não retornou, imaginei se minhas estórias teriam perdido a graça, digo minhas, porque sempre as fiz ser mais minhas que dos livros e seus autores, acho inclusive que cada estória pode ter mil donos, se estes, mil vezes contá-las.

Foi então, numa dessas crises existenciais, que nos bate uma vez ou outra na vida, decidi ir á missa e lá percebi que nunca estivera muito longe de Deus, afinal era tudo tão igual à sempre, tudo tão mesmo. O amor, às músicas até o sacerdote parecia o mesmo, mas não era.

Porém, não fora aquele velho padre quem dera ares novos ao divino lar, foi ela... Minha doce ruivinha, que naquele domingo, parecia menos doce, na verdade, nunca vira aquele olhar sem brilho, foi ai que reparei no descuido com as roupas e os cabelos e nessa busca por respostas eis que meus olhos se deparam com mais interrogações, dessa vez em formas de manchas nos braços e nas pernas, e na saída, ao olhar no fundo de seus castanhos olhos, naquele momento, tão negros, vi a resolução de todas as minhas indagações.

Nunca vou esquecer daqueles olhos, nem do medo e da vergonha que eles transpareciam, porém, a cena amarga serviu-me para entender o fascínio nos “felizes para sempre”.

Pensei então, em quantos anjos ruivos a mais estariam por ai, maculados a espera paciente e tortuosa de um final feliz, ainda que não fosse para sempre

Gláucia Peixoto