O Velho e suas Lembranças

Como tudo que passa no tempo é logo superado, eu parei, e no meu lugar apareceu um jovem forte, gigantesco, vendendo entusiasmo com um futuro brilhante. Quanto a mim, estou pagando o preço que um dia temos de pagar, a velhice.

Mas como dizem que recordar é viver, eu também vou vivendo.

E é nos domingos em que não trabalho, pois eu ainda faço alguma coisa, que a saudade me aperta. O vento a chiar pela casa vazia, eu sinto falta dos gritos da multidão. Ai eu fecho os olhos e vejo o meu Vascão de 35: Domingos da Guia, Rei, Itália, Fausto, Tinoco, Russinho, Orlando, craques que fizeram muita da rica história do meu time.

Também me recordo da Seleção de 38 que aqui em casa tramava os seus pauzinhos para pegar os europeus de calças curtas. Que bela Seleção: dois grandes jogadores para cada posição. Só Domingos e Leônidas eram ainda um pouco melhores. Machado, Afonsinho, Zezé Procópio, Patesko, Luizinho e Perácio, além de muito futebol não havia cara feia que os amedrontassem.

Lembro-me, ainda, da dinastia pó de arroz que tivemos de agüentar por vários anos, pois os homens tinham dois times, e até 42 só deu Fluminense. Querem uma amostra? Pedro Amorim, Romeu, Russo, Tim, Carreiro, até Hércules era reserva num time desses.

Corria a temporada de 42, fim do campeonato Brasileiro de Seleções. O Rio tinha formado a melhor seleção de todos os tempos: Batatais, Domingos e Florindo; Afonsinho, Zarzur e Jaime, Adilson, Lelé, Pirilo, Jair e Vevé.

Os paulistas com o que puderam segurar em São Paulo vieram ao Rio de Janeiro, já sabendo o que os esperava. Os cariocas festejavam a vitória com antecedência: bandeiras de todos os clubes, foguetes, bandas de música, promessas dos dirigentes de muitas bebidas, mas quando me lembro que já era fin do jogo, a sombra já tomava quase todo o espetáculo, quis o destino que um David dentre vários Golias estragasse tudo.

Cláudio centrou da direita, e na grande área carioca subiram Domingos, Florindo, Zarzur e Batatais, mas foi Eduardo Lima, o menor deles, quem alcançou a bola que, quando caiu, levou toda a alegria de uma multidão. O silencio foi total. Era a vitória paulista.

Vejo também os mestres argentinos, indisciplinados e briguentos, loucos para cuspir nos outros, mas que em matéria de bola sabiam tudo; Salomon, Peruca, Cassam, Massantonio, Eurico Soares, Pedernera, Delamata, Chico Garcia, Pontoni, Maranti, Sobrero, Sastre, e muitos outros aos quais o Brasil deve alguma coisa na minha opinião. E as goleadas que nos aplicaram não foram em vão, o futuro um dia dirá.

Dentre as coisas que eu não esqueço está aquele dia em que um tal de João Pinto, um ilustre desconhecido centro avante do Canto do Rio, de Niterói, fez 4 gols em Oberdan, o maior goleiro daquela época no Brasil, num jogo Cariocas 6 x Paulistas 1.

Gosto de lembrar que um dia o velho Carlito Rocha, na base da gemada e com o cachorrinho Biriba, entrando sempre na frente do Botafogo, foi campeão em 48 e, em seu quadro tinha um jovem que ainda vai muito longe, o lateral Nilton Santos.

Sabe que eu ainda vejo os uruguaios, também muito bons, sempre duros e violentos, mas eram craques. Nunca vi darem tantas botinadas como esses dois irmãos que ainda jogam no Nacional, Raul Pini e Rodolfo Pini.

O meu Vasco voltou a me dar grandes alegrias, em 45 com Argemiro, Berascochea, Jair, Eli e Rafaneli, em 47 – 49 e ainda agora temos o melhor quadro do Brasil: Barbosa, Augusto, Rafaneli, Danilo, Maneca, Eli, Jorge, Alfredo, Ademir, Ipojucã, Friaça, Chico, Heleno, Nestor, Mario, Alvinho, Sampaio, Djalma estão ai para não me desmentir.

Bem, falei bastante dos outros, recordei tantas coisas e, muito mais teria a contar, se vocês tivessem tempo para ouvir. Falei bastante que até esqueci de me apresentar: Sou o Velho Estádio de São Januário.

Laércio
Enviado por Laércio em 17/01/2009
Reeditado em 17/01/2009
Código do texto: T1389574