Casal Sex
Era uma noite de maio, antigamente conhecido como “mês das noivas”. Encontrava-me na casa de um amigo para a celebração dos sessenta de sua esposa.
Lá pelas tantas, o marido pediu para que todos se aproximassem da farta e colorida mesa, para que cantássemos os parabéns. Acrescentou que antes contaria com a compreensão e atenção dos presentes para a leitura de um poema – acróstico, de sua autoria, para celebrar sua esposa que, na altivez de seus sessenta, se preparava para a simplicidade e alegria do apagar as velinhas.
A partir daquele momento, fui possuído por uma torrente de pensamentos, alguns pareciam originais e outros identificados como lembranças de leituras de autores tradicionais.
Rápido e brilhante como um raio, no intervalo entre o final da declamação-declaração do marido e o apagar das velinhas, surgiu, como conseqüência daquela torrente de pensamentos, a resposta de uma dúvida muito antiga: “o que é o amor? É um sentimento infinito enquanto dure, como cantou o nosso querido poeta Vinicius de Morais, ou eterno como escreveu o nosso ilustre dramaturgo Nelson Rodrigues – a paixão acaba e se acaba não é amor –“?
Se não é sentimento, pois mesmo que infinito se acaba, o que é o amor que consegue resistir ao tempo e ser capaz de inspirar o parceiro a compor um acróstico para celebrar os sessenta de sua mulher?
Aquele burburinho da alegria do momento começava a me incomodar, pois precisava ordenar os pensamentos para justificar aquela conclusão que me invadira: “o amor entre um homem e uma mulher não é um sentimento, nem é paixão e é eterno”. Precisava também responder se não é sentimento então o que é o amor?
O primeiro pensamento identificado, de Bevilacqua: “a medida do amor é amar sem medida”. Ou seja, o amor, seja o que for, não pode ter a característica mercantilista da troca por coisas consideradas de igual valor pelas partes. O amor tem que estar alicerçado no dar e temperado pela alegria do parceiro nessa ação.
Em seguida surgiu-me um pensamento de Albert Camus: “amar uma pessoa significa querer envelhecer com ela”. Um indicador da eternidade do amor, que dispensa comentários.
Depois, misturados aos cachos dourados da terna e mágica criança criada por Antoine Saint-Exupéry no livro O Pequeno Príncipe, emergiram uma série de mensagens sobre o amor das quais separei somente as três seguintes:
“tu és responsável por quem cativas”. Ou seja, o amor envolve responsabilidade por quem amamos.
“foi o tempo que perdeste com tua rosa, que fez tua rosa tão importante”. Além da responsabilidade o amor envolve dedicação, cuidados. E, além disso, a energia ou força do amor colabora no desenvolvimento do parceiro, tornando-o importante.
“a experiência ensinou-me que amar não significa duas pessoas a olhar uma para a outra, mas ambos olharem na mesma direção”. Amar requer esforço dos parceiros para encontrarem uma trilha na qual possam, respeitando a individualidade de cada um, caminhar de mãos dadas. E, só podemos respeitar a individualidade de alguém se vivermos com atenção, boa vontade e paciência para conhecê-lo.
Finalmente surgiu um pensamento de Lev Tolstoi: “o homem ama porque o amor é a essência de sua alma e por isso não pode deixar de amar”. Ora, se o amor é a essência da alma, o amor não é um sentimento, pois a alma é algo divino capaz de criar. Tal como uma fonte, o divino da essência da alma, se em atividade, jorra para que em nós surja a capacidade de criar.
“Celebrando teus Sessenta” foi o título dado ao poema-acróstico para celebrar os sessenta da mulher.
Foi a amizade ao casal “sex”, sexagenário, e a declamação do poema-acróstico que inspiraram esta prosa, que tomou o rumo de uma argumentação, para justificar que o amor não é sentimento e é eterno.
Amor é uma atividade racional e criativa, tal como uma arte, que envolve conhecimento, responsabilidade e dedicação.
Pode ser, apesar de improvável, que, passado alguns anos, a relação do casal seja desfeita. Mesmo se isto um dia acontecer não invalidará nossa conclusão, pois como o imortal Nelson Rodrigues profetizou: “a paixão acaba e se acaba não é amor”
Celebrando Teus 60
Jasmim que perfuma o ambiente.
Odisséia de valores e exemplos.
Harmônica no que pensa, fala e sente.
Arrais nas calmarias e nos tormentos.
Nexo do futuro com o presente.
Nave sem porto no passado.
Ave rara, só voa alto e para frente.
Mulher, mãe, esposa e confreira.
Austríaca nas origens, de coração, brasileira.
Rebelde com a mentira, fraudes e enganos.
Insigne na sua alegria brejeira.
Altiva nos seus sessenta anos.
Johanna Maria, que alegria,
os teus sessenta são a minha poesia,
Johanna Maria, que alegria,
os teus sessenta são a minha poesia.