Passeio pela cidade (santa) do Rio de Janeiro

Rio, mês de janeiro, trinta e oito graus na pequena Praça Tiradentes. Foi quando eu e Mary adentramos a monumental Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro. Igreja vazia. Dois rapazes que haviam acabado de limpá-la já saíam. Mais duas pessoas tocando órgão baixinho na parte superior às nossas costas. Sentamo-nos em bancos distantes: ela mais à frente. Nunca havíamos entrado lá. Entre as coisas que eu pensava e aquelas que eu não sei se ela pensava, estávamos encantados com o deslumbrante – ainda que não suntuoso – interior da catedral, que me parece ter arquitetura neo-gótica. Casal esquisito: um ateu e uma crente no interior de um templo. Eu interessado em entender os crentes. Ela, entre coisas que eu nunca vou saber, interessada em entender um pouco da história da Igreja e, também, como de costume, orar. Não que seja costumeiro ela orar em igrejas. Refiro-me simplesmente ao fato de a oração fazer parte da sua vida.

Fome. Mas ainda assim gastamos um tempinho e fomos almoçar em Copacabana. Depois passeamos pelo bairro, até que fomos, já meio fora de hora – pois o sol estava um maçarico –, a um quiosque no calçadão. Um chope pra mim e um suco de laranja pra ela. Como quase não vinha brisa do oceano, caímos logo fora, depois de conversarmos um pouco sobre a vida. Dentre as várias coisas que falamos, a possibilidade – remota – de moramos num lugar como Copacabana.

De volta, no metrô, apreciamos uma pequena e bonita família que conversava ora em inglês, ora em hebraico, enquanto esperava. Estavam sentados ao nosso lado reclamando do calor: pai, mãe, talvez a sogra da mãe e um bebê lindíssimo com olhos azuis como o céu daquele dia de verão do Rio. Então, intrometido, perguntei, referindo-me ao bebê, se era a primeira vez dele no Brasil. A mamãe muito simpática respondeu que sim. Perguntei se ele era polonês – a mulher o havia chamado de polonês. Então ela me respondeu que ele era israelense, com família de origem polonesa. Então aquilo me fez pensar um monte de coisas. Fiz um recorte temporal que dava da Segunda Guerra até a atual situação na Faixa de Gaza. O Holocausto, a Guerra dos Seis Dias, as intifadas, o Hamás, e tudo o que permeou e moveu a questão palestino-israelense nas últimas décadas. Estariam eles de férias? Estariam fugindo da instabilidade daquelas terras de Sião? O neném estava cagado – eu pude sentir com meu olfato bastante aguçado. É. Cheiro de cocô de neném é o mesmo em qualquer etnia.

Qual seria a ligação entre a bela Catedral Presbiteriana e o bebê judeu? Puxa vida. Se pararmos pra pensar, são muitas as ligações. Nas areias de Copacabana os humanos reverenciavam – e torravam como cordeiros submissos – ao deus sol. O deus sol, chamado pelos antigos persas de Mitra, que devido a circunstâncias políticas, perderia status para outros deuses pertencentes a grandes impérios vindouros, com destaque especial, claro, para o deus hebraico de nome hoje impronunciável, que em adaptações lingüísticas livres chamamos de Javé, Jeová, ou, como Bob Marley, Jah. Javé, que foi o deus imediatamente mais popular depois de Zeus, tornaria-se, como sabemos, o nosso Deus cristão, junto com Jesus e o Espírito Santo, na inquestionavelmente confusa Trindade Divina.

O bebê israelense não sabe de nada disso. Um dia saberá uma verdade. E será uma verdade cultural – e nada além disso. Contudo uma verdade cultural não é pouca coisa. Talvez até não exista outro tipo de verdade. A catedral que visitamos é uma verdade. Ela está lá, linda. É uma verdade tangível, física. E o silêncio do seu interior pode gritar aos ouvidos de quem tem um pingo de sensibilidade. Seu grito pode ser em forma de sua explosiva estética arquitetônica, em forma de reflexão histórica, em forma de convite à oração. Ela existe não menos que o bebê, e carrega em si uma compilação histórica implícita não menos complexa que a que está em toda a herança genética e cultural daquela criança e sua família. O Deus da catedral evangélica é o mesmo deus hebraico da família do bebê. Será aquela criança, um homem do século XXI, capaz de compreender uma cultura que a cada dia sofre um desnorteante acréscimo de elementos? Eu, que sou uma criança do século passado, estou bastante confuso. Porém não menos maravilhado.