Crises e cinismo

CRISES E CINISMO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 14.01.2009)

Ainda outro dia, um Senhor da mais alta posição republicana proferiu uma frase que foi reproduzida no "Visor" cá deste Diário. Infelizmente, por falta de registro não se pode precisar com exatidão a data em que ela foi dita. Mas deve ter sido algo muito recente, afinal o jornal sai todos os dias.

A frase veio a público na última segunda-feira (ou deverei escrever segundafeira pelas novas normas ortográficas da língua portuguesa? - lembremo-nos de que há, hoje ainda, palavras das quais desconhecemos a grafia correta, erudita, oficial, em especial aquelas que levam, levavam ou levarão o insidioso hífen, à espera que andamos da publicação do vocabulário ortográfico oficial da língua, com 370 mil palavras, que a Academia Brasileira de Letras promete para abril).

Dita frase, pois, saiu anteontem, 12 de janeiro de 2009, embora pareça ter sido expelida ao mundo pelo menos há cinco ou seis meses, quando os ventos, jurava-se, eram muito outros. Diz assim:

"Acho fundamental diminuir o tamanho do Estado e construir parcerias com a iniciativa privada."

O Senhor a proferi-la de boca cheia chama-se Raimundo Colombo e atende em Brasília, como titular do cargo, em um dos gabinetes do Senado Federal. Não por acaso, ele é membro do PFL, o Partido da Frente Liberal (agremiação política que foi uma das filhas diletas da ditadura de 1964 a 1985, assim como o atual Partido Progressista, agrupamentos que vivem mudando de nome em função das circunstâncias e dos ventos que sopram, a ponto de, hoje, o PFL batizar-se cinicamente com uma denominação - Democratas - que nada tem a ver com sua história nem com seus reais propósitos políticos).

Neste momento em que o mundo todo vê que a irresponsabilidade da "iniciativa privada", liberada de justos controles populares, isto é, de rigorosas normas ditadas por governos democráticos, jogou com o dinheiro, o trabalho e a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo e, ao falir, corre pressurosa para o colo do Estado (o qual queria "diminuído") a pedir - bancos, fabricantes de automóveis e todo o resto - uma "ajudinha" que ultrapassa o trilhão de dólares - dinheiro que, pasmos, vemos brotar das cavernas em todos os países mas que jamais existiu para a educação e a cultura, e menos ainda para a saúde, a habitação, a alimentação, o emprego e o transporte -, a quem o Senador Colombo pretende engambelar?

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos, Editora Record, Rio)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 14/01/2009
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