Valeu!!
Em meu texto “De Pé Quebrado”, conto as desventuras que enfrentei em meus acampamentos quando solteira. Ao final, peço que me perguntem se valeu. Para quem quis perguntar, a resposta é: Valeu demais!
Valeu cada luxação, arranhão, picada de inseto, cada macarrão grudendo, arroz empapado, e cerveja quente, cada chororô pra dona Ceiça liberar o nosso passe, as rezas pra São Pedro segurar a chuva mais um pouquinho, pois o céu sem nuvens era condição sine qua non para que ela autorizasse a viagem.
Gostávamos de camping selvagem onde não havia energia elétrica, pias, tanques, vasos sanitários, chuveiros. O banho era no rio, xixi e o resto no meio do mato, os dejetos depois cobertos com areia.
Armávamos as barracas, colhíamos lenha para a fogueira, montávamos fogão e acomodávamos mantimentos. Depois do acampamento montado, saíamos para os passeios. Perto do horário das refeições, todo mundo ajudava de alguma forma e as gororobas eram servidas, feias, mas saborosas à medida da nossa fome. À noite, os violões surgiam e as vozes, afinadas ou não, preenchiam o silêncio, suplantando o ruído de sapos, grilos e outros seres noturnos. De vez em quando as canções cediam lugar às brincadeiras, mímica, adedonha, jogos de cartas. Há poucos prazeres na vida comparáveis ao de representar “Maracatu Atômico” em mímica para o seu time e vê-lo acertar o nome da música de Gil em menos de quinze segundos, sob protestos de “marmelada” dos adversários.
Eu nunca gostei de chuva, mas até ela era bem vinda nos acampamentos – depois de acomodados, claro. Encolhíamos-nos sob um toldo e ficávamos jogando conversa fora, observando os pingos na água, os ventos e trovões.
Uma vez, vi um raio mergulhando nas águas do rio, não muito distante de onde estávamos. Ainda não estava chovendo e tudo estava acinzentado e revolto e então vi aquele facho de luz aflita mergulhando tão perto. Que encantamento! Até hoje as tempestades me fascinam... Vejo os relâmpagos e já procuro um lugar seguro de onde possa vigiá-los, na esperança de rever aquele espetáculo. Já consegui algumas vezes, mas aquela ainda é a que mais profundamente me impressionou.
O que me atraía nos acampamentos, além da oportunidade de estar com os amigos, era justamente essa proximidade com o natural, os quatro elementos ali, ao alcance das mãos: fogueira, areia, rio, céu.
Não se vê tantas estrelas numa noite da cidade, a lua nunca nasce tão linda, como a que vi numa fazenda, no meio do nada.
Essa convivência selvagem recarrega nossas energias, nos dá mais ânimo para o dia a dia. Por isso sempre odiei apartamentos e hoje sou uma quase campista realizada. Minha casa tem um pouco dessa magia, o córrego, os pássaros, a mata.
Se bater a saudade, é só armar as barracas no fundo e chamar a turma pra farra. Você vem?