Pré-conceito

Quantas coisas vivemos sem nunca termos sonhado vivê-las?

O quão é surpreendente que aquela mulher metida, na nossa imaginação, humildemente peça ajuda?

E o que dizer daquele sujeito, meio burrinho, te dando uma lavada quando sentam pela primeira vez e falam sobre literatura?

A vida tem sido rápida em algumas respostas a perguntas que me faço.

Tem sido surpreendentemente cínica quanto a alguns pré-conceitos meus.

Eu tenho muitos conceitos. Experimentei diversas coisas e posso dizer com conhecimento de causa.

Uma tal de bala, que circula pelas baladas, é desnecessária, mas se faz tanta questão, prepare-se para as reações mais imbecis que um ser humano pode vivenciar. Fique pelado, enfie os dois dedos na tomada e sente em uma bacia de água fria, talvez o barato seja similar e te custe menos dinheiro, menos dor de cabeça, menos dores musculares.

De doce eu não vou nem falar... Aliás, vou sim. Pense em burro relinchando durante horas. Agora pense nesse mesmo burro, tentando fechar boca e parar de mostrar aqueles dentes enormes e brancos. Visualizou? Essa é a cara de quem coloca esse docinho goela a baixo, mesmo que não seja exatamente esse o lugar...

Agora dos pré-conceitos tenho que falar também.

Para mim todo dread era igual ao dread do Bob Marley, com espécies raras de insetos encontrados só na cabeça dele. Eu tinha até medo de encostar em um desses penteados e perder meus dedos ali, e não pense que tenho orgulho de escrever isso.

Um grande amigo meu toda vez que colocava dread me falava pelo MSN que eu iria achá-lo feio se o visse. E eu ficava vermelha em frente ao meu notebook.

Dia desses fui comprar um óculos de sol em uma loja do Shopping Morumbi. O vendedor que veio me atender era um negro perfumado e de bom papo, com um dread tão grande que daria para enrolar eu e ele fácil. Eu fiquei olhando muito para o cabelo dele até que pedi para pegar. Era tão bem feito, tão bonito que eu precisava saber ser era de verdade, na minha mente algo tão bonito só poderia ser de mentira.

Para minha surpresa, ele todo atencioso, explicou que era um tipo diferente feito com fitas, mas que sim era o cabelo dele de verdade. Eu sentindo meu rosto queimar, mas contei do meu probleminha de achar que todos eram fedidos. O moço sorriu, de forma gentil disse que o dele era novo, mas que mesmo depois de um tempo não ficaria mal cuidado, sujo ou coisa assim.

Meses depois, eu andava pelo mesmo shopping, com cara de tédio olhava para as vitrines tão iguais umas as outras, mal mudando de cores, quando ele veio falar comigo. Gentil como da primeira vez, me desejou feliz ano novo e surpreendentemente me deu o cabelo para eu cheirar, com a frase:

― Sente, não é fedido se cuidar – sorrindo como da primeira vez.

Juro que quase morri de catapora colorida, vi até estrelas cadentes e pedi a todas elas que me teletransportassem para a Terra do Nunca e que a Wendy me cantasse música de ninar. Mas nada, continuei ali com cara amarela e ele se despediu enquanto eu tinha dúvida se minhas pernas ainda obedeceriam a algum comando.

Na mesma semana eu ouvi Mallu Magalhães, eu não gostava porque não gostava. Agora eu não gosto pela voz chata e pelas letras medíocres. Questiono essa explosão toda na mídia. Para que tanto barulho por conta de uma garotinha que começou a cantar ontem? Nossa música não é pobre para levantarmos troféus a essa garota que mal saiu das fraldas. Por que não falamos assim da Monica Salmaso, da Ná Ozzeti e tantas outras raridades da música brasileira?

Eu ouvi essa garota e não gostei, e é isso que penso; não que isso seja a verdade absoluta, mas é a minha.

Dias depois, fui ver o trabalho feito por um estagiário que eu achava pouco competente. Fiquei com cara de pastel, quando ele apresentou o plano completo para um evento que será bem comentado nos próximos dias, Campus Party. “Mas CARAMBA, como ele pode saber tantos detalhes assim sobre esses processadores? Foram lançados há poucos dias. SOCORRO.”

Essas respostas que vida dá me deixam com cara de cachorro atropelado na BR 116.

Agradeço imensamente por esses acontecimentos. Por que viver de pré-conceitos?

Posso não gostar de vestir calça cigarrete, posso me recusar ao branco do ano novo, posso afirmar que a música do Caetano Veloso cansa minha beleza, não aceitar um prato de jiló. O que não posso é defender verdades desconhecidas, e ainda tentar convencer os outros de que estou certa.

Sou eu quem não gosto do som da Mallu, o mundo pode gostar se ouvir. OUÇA.

Saia cheirando cabeças por aí e descubra que todos podem ser fedidos ou cheirosos, com ou sem dread, depende do ser que carrega a cabeleira.

Dê mais crédito aos diferentes, eles só não têm a mesma cara que você, não foram criados na mesma religião, não ouvem as mesmas músicas e nem usam as mesmas roupas e exatamente por isso merecem atenção. Conheça-os antes de amá-los ou odiá-los.

Fiquemos quietinhos quando o assunto for desconhecido, isso não mata. Façamos uma prece ao silêncio. E acendamos uma vela para que todos os santos tenham misericórdia da nossa ignorância.

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PS: esse texto foi escrito para o meu blog e lá coloco diversos links para facilitar a leitura, desculpem-me por não conseguir fazer isso aqui.

Beijocas a todos.