Aposentadoria, equilíbrio e Direito Comparado
O grupo “Advogados do Brasil” que, na Internet, debate assuntos de interesse da comunidade jurídica, tem fomentado uma série de discussões sobre antigos e novos problemas que cercam a realidade de nossas instituições e que, quase invariavelmente, ostentam ausência de soluções ou – pelo menos – soluções eficazes.
Um dos pontos que foi discutido no grupo e que seguidamente retorna, é o do exercício da Advocacia por magistrados aposentados e, derivando-se ainda mais a discussão, a defesa de alguns de que esses egressos do Poder Judiciário deveriam submeter-se ao Exame de Ordem como condição prévia para inscrição nos quadros da OAB.
Acaloradas postagens foram feitas por correntes defendendo a dispensa de exame, pois não seria razoável exigir que um juiz aposentado após décadas de jurisdição deva provar aptidão para exercer a Advocacia; outras correntes defendendo o impedimento total com a proibição expressa da advocacia para magistrados aposentados.
Entendendo, respeitosamente, que nenhuma das correntes está dentro da natural seqüência que a história ainda imporá, tentei levar ao grupo experiências menos parcimoniosas que inspiram legislações de países vizinhos – em suma Direito Comparado - e que examinam o instituto da aposentadoria desde uma visão universal e norteada por princípios de ética e equilíbrio social.
Em resumo, se ao Estado é dado o direito de intervir e tornar relativos institutos sensíveis como o direito de propriedade, também lhe é dado o direito de tornar relativos esses institutos que tratam da inatividade profissional.
A sociedade brasileira está como que em hipnose de ganância e no universo jurídico não só magistrados e promotores aposentados buscam inscrição na OAB, senão que milhares de advogados se aposentam e também continuam a exercer a profissão. A estes se somam delegados , defensores, procuradores autárquicos, fiscais fazendários e outros. A simples possibilidade de advogar no “conforto” dos proventos da renda certa incentiva o pedido de aposentadoria.
Dentro desse quadro a inserção de jovens profissionais ao mercado de trabalho tornou-se quase uma odisséia.
Argentina e Uruguai já há muitos anos impuseram limites a esses interesses individuais, preservando o mercado de trabalho para as futuras gerações, de modo que aos profissionais liberais aposentados é vedado o retorno ao trabalho . É uma forma de equilíbrio, pois só a parcimônia pode entender que um recém formado tem condições de concorrer com um juiz, promotor ou advogado aposentado. Qualquer um deles irá para a “linha de frente” amparado por um patrimônio construído em décadas de trabalho e por rendas advindas desses bens conjugadas aos proventos da inatividade.
Para não ficar só na retórica e nem só atrelado ao meio jurídico, dou o exemplo dos Colégios Médicos da Província de Buenos Aires, que possuem marco legal no “Decreto-Ley nº 5413, de 1958” . Os médicos “bonarenses” depois da aposentadoria estão proibidos de exercer a profissão, mesmo na modalidade “pro bono”; isto é, nem de graça lhes é permitido o exercício da Medicina.
Ao protocolar o pedido de aposentadoria os profissionais assinam uma “Declaración Jurada” (uma espécie de Termo de Ajustamento de Conduta) comprometendo-se a não mais exercer a profissão, tudo, em homenagem às novas gerações de médicos e ao equilíbrio do mercado de trabalho. No Uruguai a situação é idêntica e, particularmente, tenho amigos que vivem esse momento da vida .
Observe-se, por fim , que pela legislação brasileira ninguém está coibido a se aposentar, conquanto inexiste a inatividade compulsória antes dos 70 anos de idade, exceto nas Forças Armadas. Advogados, juízes e promotores podem – em tese - estender ao máximo a longevidade na atividade profissional, o que aliás seria muito bem vindo; afinal ninguém duvida de que é interessante manter gente experiente no serviço público ou nas profissões liberais, mas sem o amparo desigual das aposentadorias.