ATRAVESSANDO A RUA

Deficiente físico também trabalha. Para muitas pessoas isso soa estranho, mas é verdade.

Saio de casa todos os dias, enfrentando ônibus lotado, a fim de buscar meu sagrado dinheiro.

Trabalhando no pulmão financeiro do país, certamente haveria de deparar- me com diversas pessoas e vivenciaria todo tipo de experiência. Todos os dias sucedem- se situações de valioso aprendizado para mim. Observo dia após dia a evolução do entendimento popular, no tocante à inserção do deficiente físico na sociedade.

Diarimente, percorro à pé, um trajeto de dez minutos até meu local de trabalho. Certa vez, aproximava- me de um dos mais movimentados cruzamentos da avenida Paulista,quando ocorreu a seguinte situação:

Farol vermelho. Respeitando a lei, aguardo o verde para realizar a travessia. Parece- me que grande parte dos habitantes da cidade, sofre de daltonismo. Sem distinguir a cor do sinal, as pessoas simplesmente atravessam. Os automóveis, por sua vez, parecem já ter aprendido a buzinar sozinhos. Entre um carro e outro, avisto um pedestre arriscando- se. A travessia é feita com muita emoção e adrenalina, quase sempre correndo ou escutando xingamentos de motoristas.

Continuo aguardando. Ainda que não passem carros, aguardo sempre. Não contentes em viver suas emoções sozinhos, os amigos pedestres querem compartilhar o momento. "Vem que dá", "vamos", "Não está vindo ninguém". Parado na calçada, ouvia as palavras de incentivo. Eis que um apressado senhor atravessa. Vendo- me imóvel diante da oportunidade, mesmo com o farol fechado, ele pára no meio da rua e volta solícito perguntando- me se preciso de ajuda.

Educadamente, agradeci e respondi que apenas aguardava a abertura do sinal e portanto, não seria preciso auxiliar- me naquele momento.

Ele então, bradou uma palavra impublicável, saindo nervoso na mesma direção que eu iria. Poucos segundos depois, luz verde. Atravessei tranquilamente alcançando- o.

Provavelmente, devo tê- lo ofendido recusando a oferta. Não fiz por maldade.

O que ocorreu naquele breve instante, foi a falta de observação. Eu simplesmente aguardava o sinal verde. Ele percebeu posteriormente que eu era capaz de realizar sozinho a travessia. Somente respeitava a vez dos automóveis. Não custa nada esperar um minuto. A paciência é tudo. A pressa pode, numa ocasião assim, até mesmo matar.

Fiquei verdadeiramente agradecido pela disposição em auxiliar daquele senhor. Hoje é muito raro ver atitudes como essa, mas nem sempre nós deficientes precisamos de ajuda. Particularmente, sempre que julgo necessário peço.

Marcello Santos
Enviado por Marcello Santos em 10/01/2009
Código do texto: T1377768
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