Cálculos, lágrima e suor

No quarto de janela entreaberta, retomavam o ânimo, seminus, deitados lado a lado. Ele, num de seus inquietantes momentos de silêncio, a olhar para o teto, baseado recém-apagado na mão esquerda. Ela, com a cabeça reclinada sobre seu peito, a pensar em tudo que vivera ali, no que provavelmente ainda viveria, a calcular mentalmente quanto tempo lhes restava - mesmo sabendo que ninguém é capaz de adivinhar dia e hora para o fim - enquato fingia prestar atenção n'Os Sonhadores, que ele havia colocado especialemente para embalar os carinhos dos dois. Estavam presos dentro de si. Um estalo e o resultado de seus cálculos. Previsível. "Pode nunca acabar... Pode acabar agora".

Uma lágrima se formou em seu olho esquerdo. Pressentiu-a. Preferiu não se mover. Ele não notaria. Continuou a olhar fixamente para a tela, esperando a gotícula fria e salgada escorrer até seu pescoço - mas foi tomada de surpresa pelo calor do indicador dele, a lhe enxugar carinhosamente o sofrimento mal recolhido. Sempre sincera, defendeu-se. "Pensei que não fosse notar. Evitei me mexer, acreditando que ela pudesse passar despercebida...". Com sua voz mansa, ele deu continuidade ao diálogo: "Impossível não ver...De repente fui chamado por algo cristalino brilhando em seus olhos. Tive de tocá-la, não pude evitar. O que há?". Ela entrou em um conflito de milésimos de segundo: não queria mentir, mas a sinceridade não cabia ali. Para tudo há um limite. "Nada. Deve ser a posição em que estou. Meus olhos são sensíveis, lacrimejam à tooo" - mal conseguir terminar de falar: recebeu dele um beijo apaixonado, êxtase físico enquanto morria por dentro.

Era tudo cada vez mais perfeito, cada vez mais maravilhoso, cada vez menos real. Não podia ser real. Abriu os olhos. Afastou-o devagar e tocou suavemente os lábios que mal haviam parado de beijá-la. Ofegante, arrancou-lhe os óculos. Era real. Beijaram-se mais uma vez. Seu medo aumentou. Aumentou também a paixão. E o desejo. Então começaram um jogo de carícias em que não havia vencedor: ambos deveriam ser explorados minuciosamente, até o final. Cada cicatriz, tatuagem, cada cheiro, cada pelinho daqueles corpos deveria tornar-se conhecido pelos dois.

O pouco de roupa que lhes restava no corpo até então foi visto de novo só horas depois, caído atrás da cama. Entre sussurros, beijos apaixonados, dedos e lábios perscrutadores, carícias esquivas, na tarde de uma quarta-feira quente de verão, ignorando quaisquer Sonhadores, baseados, lágrimas ou janelas, fizeram amor.

E nenhum dos dois conseguiu pensar em mais nada.

Nica
Enviado por Nica em 09/01/2009
Código do texto: T1376718
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