FESTA DE CRIANÇA
Já pararam pra pensar que festa infantil pode ser o pior programa do mundo? Lógico que há exceções. A principal exceção é: a festa é boa quando é infantil, mas sem criança. De um modo geral elas acontecem aos domingos, à tarde. De um modo geral, você sempre saí no sábado anterior, enche a cara, e no domingo está só o pó da rabiola. Mas enfim. Comprei o presentinho e fui. Comprar presente pra criança que você mal conhece é complicado. Brinquedo ou roupa? Brinquedo, né? Lembre-se que quando você era criança e te presenteavam com roupas você sempre agradecia com aquela cara de “que saco! Pó, criança gosta de brinquedo!”. Comprei um brinquedinho. Um jogo. Estimula a percepção, a inteligência. Se bem, que criança não tem que ser inteligente, tem que ser criança! Criança inteligente, assim, digo inteligente além da conta, fica chata, quer ser adulta antes da hora. Cheguei à festinha. Bexiga. Bexiga. Bexiga. Nossa! Quanta cor! Minha labirintite atacou! Chegar sozinho em festa de criança é triste. Todo mundo te olha. Lá vem o aniversariante. Os pais vêm atrás. Mais curiosos com o presente do que o próprio filho. “Fala obrigado, amor!”. Deixa!A criança está muito ansiosa hoje. Muitos presentes pra abrir. Fala obrigado pra mim, sua pestinha! Praticamente ela arrancou o presente das minhas mãos e vazou! Nem um trombadinha seria tão ágil. Respira. Sorria. Gracinha de criança!
Senhor! Tem palhaço animando a festa. Vou fingir que nem vi. Palhaço me persegue. Sempre vem com alguma brincadeirinha sem graça com quem chega à festa sozinho. Saí palhaço sem graça! Aonde vou me sentar? Homens para um lado, mulheres pra outro. Em festa de criança é sempre isso. Os homens ficam de um lado, só no álcool e falando de tudo, menos sobre crianças. Do outro ficam as mulheres, se empanturrando de salgadinhos e doces ...só falando das crianças. Hum, uma mesa mista, homens e mulheres. Devem estar falando de crianças...ou melhor, mal de alguma criança. Maldade. Sentarei com eles. Oi. Oi. Tudo bom? Oi. Sentei. Até que a decoração ta bonita. Nossa! Quanta criança correndo! Ah lá, já tem uma chorando. Goela sem fim! Nossa! Será que os pais já pensarem em patentear esse grito e vender pra fabrica de sirene de ambulância? Não grita! Ah lá, a mãe achando lindo os berros ensurdecedores da criatura. Soca um pastel na boca dela! Tá parando. Parou. Graças a Deus. Cerveja em festa de criança vem devagar. Salgadinho quentinho. Nossa! Como é que podem colocar apenas dois grãozinhos de milho dentro de um risoles desse tamanho e ainda falar : risoles de milho! Risole de massa, com dois grãos de milho é o nome completo desse salgado. Criança correndo. Correndo. Correndo. Caiu. Chorou. Aparta, senão essas duas se matam. Não vou rir. Não ria. Controle-se. Começou. Tem sempre uma criança mais velha que adora sair estourando as bexigas com o palitinho da coxinha. Coisa chata! Susto atrás de susto! Vontade de pegar uma bomba de três tiros e soltar perto dela só pra ela ver o que é bom pra tosse. Não olha com cara feia porque senão os pais podem perceber. “Dado” ele, não? A gente adora chamar criança encapetada de “criança dada”. Cabeça, ombro, joelho e pé, joelho e pé...Aí que essa música parece que toma conta do corpo da gente. Inconscientemente sabemos a coreografia toda. A XUXA já foi mais criativa. Pára de cantar baixinho. Aquela ali ta errando tudo, não sabe onde é joelho, pé, nariz... que vontade de ir ali ensinar. Pára. Pára de graça. Bebo mais cerveja. Hum, hora de distribuir a sacolinha surpresa. O que será que tem dentro? Você tem que concordar comigo que todo mundo, eu, você, todo mundo... toda vez que chega a hora da sacolinha surpresa, uma voz interna grita: Eu quero uma! Será feio eu pegar uma? É. Bem feio. A meninha loirinha já está abrindo a sacolinha. Vejamos. Bala, chiclete, pirulito, anelzinho, carrinho, bala de novo, mais chiclete e...não...não pode ser...APITO ?? Vai começar! Pronto! To me sentindo na final do FLA-FLU. Vontade de fazê-los engolir esses apitos. Pronto. Ninguém conversa mais. Dor de cabeça. Não, não quero essa torta de pão-pullman. Eu sei que ta uma delicia, mas obrigado. Não quero. Não quero. Ok, ta bom, vou pegar um pedacinho pra não dizer que estou desfazendo. Nossa, podiam ter contratado um palhaço mais animadinho. Olha lá. Ta na cara que ele não gosta de criança. Bebo. Bebo. Bebo. Duas horas aqui já. Hora do parabéns. Senhor. Organizem isso direito. As crianças estão se pisoteando. Todo mundo quer ficar na frente do bolo que está sob a mesa de um metro de comprimento. Um metro pra 50 crianças ensandecidas? O aniversariante nem aparece.Coitadinho. Tira a mão do bolo, infeliz! Ah lá! Será que só eu que estou vendo o japonezinho socar o dedo no bolo? Parabéns pra você... Hum, to sentindo que vão apagar a vela antes do aniversa... pronto! A de trancinha apagou. Choro do aniversariante. Acende a vela de novo. A da trancinha com cara de “bem feito, acende de novo, que apago de novo!” Segurem-a! Já to cansado de bater palma. Parabéns pra você...pronto foi até o final. Me recuso a cantar o “derrama”, coisa chata! Com quem será que ele vai casar? Mas a criança está fazendo 5 anos, meu deus! Finja que nem é com você e assopra logo, filho! Assoprou.
Fico pra comer o bolo? Não, né ?! Vai dar na cara que to de ressaca e que meu corpo ta pedindo glicose. Tem sempre aquela mãe que diz: “fala tchau, Nenê, fala tchau” . E a criança nada, nem um aceno, nem um sorrisinho simpático. Vou ficar de pé até quando? Eu mesmo pego a mão do “nenê” e faço tchau. Vamos embora. Pego um pedacinho de bolo antes? Não? Pego. Disfarça. Peguei. Vazei.