E o galo cantou...
Quando criança por várias vezes acordava com o cantar do galo. galos tem um significado muito forte para mim. Já escrevi sobre eles em outro momento.
Os galos cantam sempre ao romper do dia.
Eu penso ao longo do dia, mas principalmente nas madrugadas e ao nascer do sol.
Hoje pela manhã, bem cedo, lia e meditava sobre aquela passagem em que Pedro afirmou à Jesus que estaria com ele em todas as circunstâncias. Ele não tinha a mínima noção do que dizia; não imaginava que Jesus Cristo passaria por todos aqueles sofrimentos. Não via no mestre algum mal que pudesse justificar o tratamento cruel, que lhe foi implementado. Afinal, seguia a um bom homem.
E ainda na atualidade, nos deparamos com situações críticas, seguindo à pessoas bem intencionadas. Consideramos normalmente, que ao seguir um bom mestre, alcançaremos um final feliz, sem ter a idéia de que a morte, esta é que sim, poderá vir a ser o resumo de tudo.
Muitos ainda morrem por defenderem ideais altruístas. Outros, perdem a vida em nome do evangelho também. O cristianismo ainda não é bem vindo em vários lugares do mundo.
Foi assim na antiguidade e continua sendo até os dias de hoje.
Me lembro daquela personagem do "zorra total", que dizia:
- Meu querido, vai ter dindin no final!
Ela só colocava os "queridos", em maus lençóis.
A verdade é que ninguém convida a gente gratuitamente, para coisa boa. Quando nos chamam pode saber, que é para alguma confusão.
A grande diferença de Jesus é que ele é transparente, já vai logo avisando dos perigos e dizendo que a porta é estreita. É o único que age assim, com tanta sinceridade.
Jesus, na ocasião e desta forma, responde a Pedro:
"-Em verdade, em verdade, vos digo que antes que o galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás."
O que de fato aconteceu . Pedro chorou amargamente, ao se lembrar dessas palavras.
A pior coisa é falar algo de forma veemente e não cumprir. Isto aconteceu com Pedro. Ele foi o primeiro a levantar a voz, mais alta do que todos e prometer fidelidade.
Estou falando de mim mesma agora, desta horrível sensação de negação ao mestre.
Jesus nem me condena por isto, porque a dor por si só na minha consciência, é enorme.
Eu me sinto a cada momento o negando. Nas minhas atitudes, nas minhas palavras. Várias vezes poderia torná-lo mais presente no meu viver e assim não faço.
Muitas vezes me envergonho dele. Incontáveis vezes. Venho aqui confessá-las. As minhas contradições são depoimentos contra o meu mestre. Pobre e miserável que sou.
E pensar que ele me trata da mesma maneira com que tratou a Pedro: com amor.
Um carinho e amor que eu não tenho com meu próximo.
Inúmeras vezes fui abandonada nas horas em que mais precisei e senti muita mágoa.
Essa mágoa eu arrastava comigo por anos a fio. Uma escalada de mágoas. Na minha caminhada eu, na realidade, sempre substituia uma mágoa por outra mais recente. Uma frustração por outra bem maior. Uma sufocava a outra. Dessa forma eu ocupava meus dias. Mas, com Jesus não foi assim. Ele reconheceu a fragilidade humana e simplesmente perdoou. Entendeu o medo que Pedro sentiu, de experimentar a dor física e as torturas daqueles homens cruéis. Compreendeu porque sentiu a agonia da morte no Getsêmani e suou gotas de sangue.
Seria algo assim como nos nossos dias, comparado ao que aconteceu com o jornalista Tim Lopes e outros anônimos, assassinados por integrantes do narcotráfico, assados no microondas improvisado - com requintes de crueldade.
Ou, parecido também com o tratamento implementado pelo regime militar aos reacionários do sistema. Quem gostaria de passar por isto ou ver seu filho passando? Ou mesmo presenciar algo semelhante?
Assisti ao "Linha Direta" sobre a Zuzu Angel. O sofrimento daquela mulher por reencontrar o seu filho e o de muitas mães nas mesmas condições, que a mídia muitas vezes, não confere tanta importância.
Mas, a Zuzu fica aqui, como uma espécie de tipificação de todos as famílias vítimas daquele sistema repressor.
Vale lembrar também das mães de Acari e seus filhos desaparecidos, um caso até hoje sem solução.
A tortura do Stuart Angel, a tortura de muitos, tortura que ainda persiste em existir até hoje. Me interesso muito pelos relatos das épocas negras do passado do Brasil. E me entristeço por saber que ainda prevalecem tais pensamentos e atitudes até hoje.
Que acordem os inocentes que pensam que o nazismo foi aniquilado. Esta praga está mais viva do que nunca. Atuam na surdina. O nazismo ainda encontra mentes doentes agindo em sua defesa e ainda mais agora com a capacidade de formação de redes proporcionada pela internet.
Dias desses fiquei sabendo que o código utilizado pelos pedófilos para se identificarem na internet é uma borboleta. Não sei se é lenda ou não, mas eu gosto tanto de borboletas...
Respeito tanto as crianças...
Pelo amor de Deus não coloquem nem crianças, nem borboletas nesta sujeira!
Eu tenho algumas imagens de borboletas no meu blog, mas não sou nem um pouco a favor da pedofilia. Eu desconhecia totalmente esta relação.
Visitei certa vez, um museu em São Mateus, no Espírito Santo, muito interessante, que me marcou. Lá visualizei registros em livros, de punições aplicadas aos escravos fujões ou àqueles que simplesmente olhassem para as senhoras brancas. Fiquei impressionada. Está tudo lá, bem escrito com as letras rebuscadas da época, para vergonha nossa.
Extirpação dos testículos, melhor conhecida como castração e coisas mais horrendas se faziam naquele contexto histórico. Se nesta fase eu vivesse, abriria a minha boca em defesa dos desfavorecidos? Ou teria medo?
Faria coisas piores, se proprietária fosse, de uma fazenda próspera de plantio de café ou de cana-de-açúcar?
Como saber?
Atualmente, absurdos acontecem, em defesa de interesses mais absurdos ainda, que só satisfazem a poucos, bem poucos e assistimos a tudo, passivamente.
O último da hora é o prefeito , (que aliás, nunca me enganou com aquela carinha dele), ordenando a retirada dos moradores de rua em nome da manutenção da ordem urbana. E o repórter global dizendo:
- Que não seja só agora na ocasião do carnaval..
Eu pergunto?
- Para onde vai este povo todo? Espero que para nenhuma câmara de gás.
Afirmo que o Rio de Janeiro continua lindo mesmo com toda as mazelas que vejo - a pobreza espalhada pelas ruas. Isto torna a cidade verdadeira, sem máscaras.
Será que as pessoas vivem nas ruas realmente por opção. Deixo aqui registrado que tenho nível superior e que no mês passado não paguei meu aluguel. Se as coisas continuarem assim eu vou ser a mais nova moradora de rua. Tenho dois filhos cursando medicina pelo programa PROUNE do governo federal. Estou desempregada e com dificuldade de me inserir novamente, no mercado de trabalho. Fiz o concurso do CBMERJ/2008 e fui reprovada na etapa da inspeção de saúde e imaginem vocês, por quê?
Por uma hipertensão arterial que comprovadamente inexiste na minha vida.
Coisas do nosso Brasil varonil!
Meu marido é um trabalhador exemplar.
Como bem canta o Seu Jorge naquela canção magnífica "Trabalhador":
(...) Trabalhador...
Trabalhador brasileiro,
Trabalha igual a um burro e não ganha dinheiro.(...)
De que adianta jogar a sujeira toda debaixo do tapete e fingirmos uma cidade limpa e organizada. De que adinta...
Mas, deixemos os desabafos de lado e nos voltemos à Pedro.
Pedro naquele dia, teve medo. O medo paralisa. O medo joga por terra valores. Gera um estado de necessidade, tão presente nos naufrágos - a autodefesa (aqui, já me utilizando do novo acordo ortográfico da língua portuguesa).
Pedro quiz livrar a sua pele. Eu quero livrar a minha e você que porventura ler este meu texto, vai em algum momento da sua vida querer livrar a sua também, isto se já não quiz e precisou um dia.
Os carrascos agem com crueldade por proteção própria. Acreditam com essa atitude, em algum tipo de privilégio em relação aos demais. Os capitães do mato na sua maioria, eram homens livres e pobres. Há relatos de homens negros exercendo esta função também. Estes, em busca de uma posição um pouco diferenciada naquela sociedade ou simplesmente da garantia da sobrevivencia em meio àquele ambiente hostil. Por isso, se mancomunavam aos Senhores da casa branca; escolhidos por uma habilidade em reconhecer as estratégias de fuga dos escravos e o território.
Suas chances eram bem maiores de alcançarem os quilombos formados; desta forma defendiam os interesses da ordem escravocrata.
Sempre pensamos que temos mais direitos que os outros:
Temos mais direito de viver, de ser feliz, temos mais direito de tudo.
Ora, em nome da autodefesa, é que justificamos muitas vezes, nossas atitudes egoístas.
Voltando ao meu argumento inicial, ao fato de me sentir sempre negando ao mestre, é exatamente isto que faço, quando me vejo diante dos acontecimentos atuais: do abandono de crianças a sua própria sorte, nas ruas da cidade; do tratamento cruel aos idosos; da violência urbana; das inúmeras injustiças sociais; do caus no sistema de saúde; do desemprego premeditado pelo neoliberalismo; do aquecimento global consequente da agressão ao meio ambiente; das espécies em extinção; da destruição da floresta amazônica e do que resta da mata atlântica; da poluição dos rios e dos mares; da máquina destruindo uma costrução ilegal, já pronta, lá no Recreio dos Bandeirantes. Porque é que não impediram antes, quando levantaram as primeiras paredes? Depois do prédio já pronto, achei uma covardia derrubá-lo.
Eu assisto à todas estas coisas e nada faço.
Alguns autores denominam estes meus desabafos, de consciência cristã abalada.
Estes amam dar nomes, rótulos a tudo. Adoram conceituar, e desta forma se sentem mais importantes ou moralmente superiores a grande maioria dos mortais. Conceituar sempre conferiu um certo poder e assim acontece, até os nossos dias. Demonstra uma "inteligência" acima da média, uma capacidade de "filosofar". É algo assim, como que uma faculdade sobrenatural de transformar fenômenos simples em muitas dúzias de palavras difíceis para nunca serem compreendidas pela grande maioria do povo; ou fenômenos complexos demais em uma, duas ou no máximo três palavras, e estas, com forte capacidade de banalizar algo de grande significado. Depende aí, do gosto do freguês, da cara-de-pau de alguns, da ocasião, das necessidades ou dos interesses do momento.
Mas, sou obrigada a concordar que são raras as pessoas, com excessão dos intelectuais ou dos literatas, e estes o fazem como profissão, que têm disponibilidade para ficar conceituando tudo. Todos estão ocupados demais e conceituar exige reflexão. O tempo que dispomos para pensar, ler, escrever, trocar informações, estudar, essas coisas, é escasso. Eu mesmo só faço isso agora na condição de desempregada e sem nada para fazer. Descobri que para se usar a razão, exige-se um tempo considerável. Construção de pensamentos, não surge de uma hora para outra. Uma criação literária, por exemplo, requer horas e mais horas, dispensadas neste único propósito. Digo isto , como amadora que sou. Eu fico dias trabalhando em um único texto e toda vez que o reviso, ainda encontro vários erros. Poucos, bem poucos têm este privilégio no Brasil. Sou neste momento, ainda que por força da circunstâncias, uma dessas pessoas.
Só me resta pensar e escrever para existir e enviar rios de currículos pela internet.
Desta forma vou me arrastando pela vida, dia após dia, feito uma sucuri, pesada por ingerir diariamente, doses e mais doses dessa comida indigesta e o que é pior, com a minha consciência cristã abalada mesmo.
Eu assumo!
Como Pedro acompanho tudo covardemente, de longe. E quando sou interpelada por alguém, como Pedro eu respondo que não tenho nenhuma relação com esses acontecimentos a não ser pelo fato de citá-los, de vez em quando, em meu insignificante diário eletrônico.
E o galo canta pela primeira vez.
De novo me perguntam se eu não estava com os tais que provocaram àquelas coisas? E eu respondo que nunca nem os vi.
Pela terceira vez me apontam dizendo ser eu àquela que caminhava com os dito cujos e com eles provocava grandes absurdos e , mais que depressa, nego.
E então, o galo canta pela segunda vez. Só me resta chorar amargamente e dizer:
- Sim, o galo cantou!
- Cocóricó!
- Cocóricó!