Métrica e Inspiração
Uma amiga, poetisa de mão cheia do Recanto das Letras, revelou-me, em interessante comentário, a sua quase renúncia pelo uso das formas poéticas convencionalmente fixas (trovas, sonetos, etc.), em virtude da cobrança vigilante dos palpiteiros de plantão, a quem chama de "puristas".
Na verdade, tem muita gente no Recanto das Letras mais preocupada com a forma do que com o conteúdo; gente que se dá ao trabalho de contar as sílabas de um soneto ou de uma trova - da lavra de outra pessoa - para saber se, de fato, quanto à forma, aquilo é mesmo um soneto ou uma trova. E ao constatar discrepâncias formais, cheios de "boas intenções", se acham no direito de exarar conselhos, sugestões ou recomendações "técnicas". Mas nós sabemos que de boas intenções o inferno está cheio e que, além disso, cabe, no caso, sempre a dúvida: quer mesmo ajudar ou quer dar uma de sabichão?
Como eu já disse, minha amiga os chama de "puristas", mas eu simplesmente os identifico como "chatos de galochas", de vez que, à luz do bom senso, a um comentarista só lhe assiste o direito de dar "palpites" sobre um texto alheio se receber do próprio autor uma indicação de leitura, uma vez que comentar um texto é apenas dar a sua opinião crítica sobre ele e não se eleger por conta própria como co-autor.
Logo que comecei a postar no Recanto das Letras, um grande "sabe-tudo", à título de comentário (do tamanho da paciência dos brasileiros), me encheu de conselhos sobre um poema que eu houvera postado: que eu estava "forçando" as rimas, que o meu texto estava mais para prosa poética do que para poema, e blá-blá-blá. Eu respondi com este poeminha:
"Para te responder, fui visitar
Teu cantinho e teus versos ver.
Que decepção! Como queres ensinar
Se nem mesmo sabes fazer?"
E completei com esta observação: "Obrigado pela sua aula de Teoria da Literatura, totalmente inútil no meu caso, de vez que já cursei essa Disciplina quando aluno da Faculdade de Letras."
Contudo, não são por causa dessas incômodas intromissões de terceiros no meu sagrado direito de exercer a minha própria criação literária, que faço poucos sonetos e/ou trovas; é que sou de natureza impaciente e um tanto indisciplinada, e perder um tempo considerável para ajustar a minha idéia poética a uma rígida quantidade de sílabas métricas não me atrai de jeito nenhum. Mas, quando os faço, sigo rigorosamente as convenções vigentes; quem sou eu para fazer trovas e sonetos da forma que me dá na telha?
Quando eu era jovem, uma grande loja de eletrodomésticos daqui de São Luís lançou um concurso de trovas, com o tema “Mãe”, tendo em vista a proximidade de um Dia das Mães. O prêmio seria uma geladeira nova para a mãe do vencedor, mas havia prêmios menores para segundo e terceiro lugares, e menções honrosas para classificados do 4º ao 10º lugares. Minha mãe não tinha geladeira e eu me atirei com unhas e dentes ao trabalho de criação da trova.
Com uma trova que considerei de primeiríssima qualidade, inscrevi-me no concurso. Para minha surpresa, não obtive nem mesmo uma menção honrosa.
Dias mais tarde, eu me encontrei com o Prof. Carlos Cunha, grande poeta e escritor de São Luís, já falecido, e que tenha sido o responsável pela seleção dos textos participantes do concurso de trovas. Ele me cumprimentou efusivamente e declarou:
- Antonio, tu fizeste um poeminha belíssimo, maravilhoso!
- E por que não ganhei nem uma menção honrosa, professor?
- Porque o concurso era de trovas e o que fizeste, embora uma bela poesia, não era uma trova!
- Como assim, professor?
- Uma trova, meu filho, é um poema de 4 versos, cada um com 7 sílabas métricas, rimando pelo menos o 2º com o 4º. O teu trabalho tinha rimas, mas os 4 versos não tinham a mesma quantidade de sílabas métricas, por isso foste desclassificado. Foi uma pena. Minha mãe talvez tenha deixado de ganhar uma geladeira, porque em 1960 eu ainda não sabia que a inspiração dos poetas, pelo menos em trovas e sonetos, tem que submeter-se à Escansão, ou seja, ao processo de medir as sílabas métricas dos versos.
E concluo que a minha amiga tem toda a razão em repudiar a ação idiota dos puristas de plantão que catam as falhas técnico-literárias para virem dar palpite (que ninguém pediu) nos textos dos outros. No entanto, a minha opinião sincera sobre o assunto é que todos têm o direito de livremente criar e publicar, mas quando alguém categoriza o seu texto não vejo nenhum motivo para expor-se a comentários maledicentes. Se busco dentro de mim inspiração para versos e os faço, mas não da forma como são os sonetos e trovas, por que vou categorizá-los como tal? O que me impede de categorizá-los como poemas, poemetos ou poemas minimalistas?
Pois então, faço sonetos e trovas somente nas horas em que realmente “o santo baixa”, pois aí consigo fazê-los como manda o figurino. Nas outras horas, sou livre como um passarinho. Para fazer poemas do jeito que quero e com eles voar em direção ao coração das minhas musas!